terça-feira, 28 de maio de 2013

Quem me estuprou

por Aline Valek  dica de Hiago Araújo
facebook
"Hoje fui estuprada. 
Subiram em cima de mim, invadiram meu corpo e eu não pude fazer nada. 
 
Você não vai querer saber dos detalhes. Eu não quero lembrar dos detalhes. Ele parecia estar gostando e foi até o fim. Não precisou apontar uma arma para a minha cabeça. Eu já estava apavorada. Não precisou me esfolar ou esmurrar. A violência me atingiu por dentro. A calcinha, em frangalhos no chão, só não ficou mais arrasada do que eu. Depois que ele terminou e foi embora, fiquei alguns minutos com a cara no chão, tentando me lembrar do rosto do agressor. Eu não sei o seu nome, não sei o que faz da vida. Mas eu sei quem me estuprou. 
 
Quem me estuprou foi a pessoa que disse que quando uma mulher diz “não”, na verdade, está querendo dizer “sim”. Não porque esse sujeito, só por dizer isso, seja um estuprador em potencial. Não. Mas porque é esse tipo de pessoa que valida e reforça a ação do cara que abusou do meu corpo. 
 
Então, quem me estuprou também foi o cara que assoviou para mim na rua. Aquele, que mesmo não me conhecendo, achava que tinha o direito de invadir o meu espaço. 
 
Quem me estuprou foi quem achou que, se eu estava sozinha na rua, na balada ou em qualquer outro lugar do planeta, é porque eu estava à disposição. 
 
Quem me estuprou foram aqueles que passaram a acreditar que toda mulher, no fundo no fundo, alimenta a fantasia de ser estuprada. 
 
Foram aqueles que aprenderam com os filmes pornô que o sexo dá mais tesão quando é degradante pra mulher. Quando ela está claramente sofrendo e sendo humilhada. Quando é feito à força. 
 
Quem me estuprou foi o cara que disse que alguns estupradores merecem um abraço. Foi o comediante que fez graça com mulheres sendo assediadas no transporte público. Foi todo mundo que riu dessa piada. Foi todo mundo que defendeu o direito de fazer piadas sobre esse momento de puro horror. 
 
Quem me estuprou foram as propagandas que disseram que é ok uma mulher ser agarrada e ter a roupa arrancada sem o consentimento dela. Quem me estuprou foram as propagandas que repetidas vezes insinuaram que mulher é mercadoria. Que pode ser consumida e abusada. Que existe somente para satisfazer o apetite sexual do público-alvo. 
 
Quem me estuprou foi o padre que disse que, se isso aconteceu, foi porque eu consenti. Foi também o padre que disse que um estuprador até pode ser perdoado, mas uma mulher que aborta não. Quem me estuprou foi a Igreja, que durante séculos se empenhou a me reduzir, a me submeter, a me calar. 
 
Quem me estuprou foram aquelas pessoas que, mesmo depois do ocorrido, insistem que a culpada sou eu. Que eu pedi para isso acontecer. Que eu estava querendo. Que minha roupa era curta demais. Que eu bebi demais. Que eu sou uma vadia. 
 
Ainda sou capaz de sentir o cheiro nauseante do meu agressor. Está por toda parte. E então eu percebo que, mesmo se esse cara não existisse, mesmo se ele nunca tivesse cruzado o meu caminho, eu não estaria a salvo de ter sido destroçada e de ter tido a vagina arrebentada. Porque não foi só aquele cara que me estuprou. Foi uma cultura inteira. 
 
Esse texto é fictício. 
Eu não fui estuprada hoje. 
Mas certamente outras mulheres foram." (Aline Valek)

domingo, 19 de maio de 2013

Brasil é um dos campeões mundiais em homicídio de mulheres



stj.jus.br 

16/05/2013 - 11h53

Brasil é um dos campeões mundiais em homicídio de mulheres, denuncia juíza do TJRJ Em palestra proferida no IV Curso de Iniciação Funcional para Magistrados, Adriana Ramos de Mello, juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), informou que o Brasil ainda ocupa a sétima posição no ranking mundial de assassinato de mulheres por questões de gênero – o “femicídio”. De acordo com a magistrada, entre 1980 e 2010, 135 mil mulheres foram mortas violentamente no país.

O curso é uma iniciativa da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo (Enfam) e reuniu nesta edição 120 juízes recém-empossados de cinco estados brasileiros.

Para a juíza Adriana Mello, os números da violência de gênero são “altíssimos” e mostram que o Brasil ainda é um grande ofensor dos direitos humanos. A palestrante também mostrou preocupação com o aumento do número de denúncias de estupro, que cresceram 24% em 2012. “A Lei Maria da Penha é uma grande ferramenta contra a violência doméstica e hoje há uma rede do Judiciário, assim como os juizados especiais, nos quais a mulher pode se socorrer”, destacou.

Um trabalho psicossocial e multidisciplinar é essencial para a efetividade da Maria da Penha, observou Adriana Mello. “O juiz que trabalha nessa área tem de estar pronto para ouvir e mostrar compaixão. Nos casos que envolvem a violência doméstica, todos sofrem – a mulher, os filhos e, às vezes, até o próprio agressor”, destacou.

Para a juíza, a desigualdade persistente entre homens e mulheres na sociedade brasileira é um estímulo à violência. “Não há um perfil da mulher agredida, o problema afeta todas as classes sociais e faixas etárias”, salientou. Outros fatores que podem levar à violência são o abuso de drogas ou álcool e o desemprego.

sábado, 18 de maio de 2013

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA - A voz das brasileiras

Publicado em 24/11/2012
 
Vídeodocumentário popular produzido por Bianca Zorzam, Ligia Moreiras Sena, Ana Carolina Franzon, Kalu Brum, Armando Rapchan.
Produzido a partir de depoimentos reais de mulheres, gravados em suas próprias casas com webcam, celular e máquina fotográfica.

Saiba mais sobre a proposta desta produção nos blogs Parto no Brasil e Cientista que Virou Mãe.

https://www.youtube.com/watch?v=eg0uvonF25M






se o vídeo acima foi de denuncia grave
 agora o outro lado da história pra provar que é possível sim fazer o certo
basta ter gente com boa vontade e que saiba olhar o outro como extensão de si mesmo - esse vídeo abaixo vale cada minuto, se preparem para se emocionar muito

https://www.youtube.com/watch?v=P8w-C-DTXGk

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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Sequestro de mulheres e a desumanização das vítimas

quinta-feira, 9 de maio de 2013

 

Quando se fala em sequestro, a primeira ideia que vem à cabeça da maioria das pessoas é de uma família recebendo uma ligação de um criminoso ameaçando matar a vítima caso a quantia não seja paga. Esse é apenas um dos tipos de sequestro, acredito que seja o mais comum e, por incrível que pareça, o menos cruel.

Menos cruel porque a outra possibilidade é que a pessoa tenha sido sequestrada para ser traficada. E ser traficada é, sem dúvida, a pior coisa depois da morte que pode acontecer com alguém. E claro, a maioria das vítimas desse tipo de crime são mulheres.

As vítimas traficadas são sempre tratadas como animais, porque são destituídas de seu direito de escolha, portanto desumanizadas. Mulheres podem ser usadas como "barriga de aluguel", ter seus óvulos extraídos, ser obrigadas a fazer trabalho doméstico. Muitas vítimas são obrigadas a se prostituir, o que na prática é um estupro sistemático. Mas o tipo mais assustador de sequestro acontece quando a vítima é trancada num quarto e vira brinquedo particular do sequestrador. Última terça, veio à tona mais um caso desse tipo.   

É um crime absurdamente hediondo. Um homem decide pegar garotas na rua e levá-las pra casa dele, onde as mantêm como animais, acorrentadas num quarto, onde ele vai toda vez que deseja encontrar satisfação sexual.

É claro que elas engravidam várias vezes, mas elas não engravidam sozinhas. Elas engravidam porque são sistematicamente estupradas pelo desgraçado, como a personagem do livro O Fã-Clube. Fico possessa com a Globo falando que uma das vítimas teve uma filha no cativeiro sem usar a palavra estupro nenhuma vez. É muita falta de empatia achar que uma garota mantida em cativeiro por dez anos vai transar com o sequestrador, ou com qualquer outro homem que seja levado até ela, por vontade própria.

E foram espancadas, passaram fome, passaram por gestações e abortos sem qualquer assistência médica. Sei que é horrível pensar nisso, pois para mim é bastante doloroso. Mas é preciso pensar nisso para que mudemos as estruturas sociais que propiciam o acontecimento de coisas assim. Pensa bem, para um cara pensar que pegar uma garota e transformá-la em escrava sexual dele pode ser algo legal, é porque mulher pra ele não é ser humano. Soa familiar?

Camiseta a venda nas Pernambucanas do Shopping Internacional em 08/05/2013
Sei que este deve ser um de meus posts mais pessimistas. Mas a questão é que não é um crime raro. Não estamos falando de uma fatalidade. Todas nós corremos risco de parar numa situração como essa. Isso não é obra de um patológico raro, como minha ex-analista diria. Isso é obra de toda uma cultura de desumanização das mulheres, isso é consequência de um sistema que coloca mulheres como coisas bonitas, coisas que homens podem ter comprando ou roubando. E eu estou sempre avisando o quanto essa misoginia estrutural é prejudicial para a sociedade como um todo.

Não estou discutindo que esses criminosos sejam psicopatas, ou pelo menos perversos. É claro que eles têm algum problema. A questão é por que esse tipo de mente escolhe cometer esse tipo de crime, e por que a maioria de suas vítimas são meninas e mulheres?

Eu não tenho nenhum registro de caso em que uma mulher tenha roubado um rapaz e o mantido em cativeiro para satisfação sexual dela. Mas já ouvi vários com esse mesmo padrão em que uma adolescente, às vezes até pré-adolescente, é raptada e mantida num cativeiro por décadas. Tem aquele caso em que um homem fez isso com a própria filha na Áustria, teve aquele elemento que se suicidou quando a menina fugiu na Suécia, tem aquele sujeito na Bélgica que fez isso com várias garotas, algumas delas até morreram de fome no porão dele! Repare que na matéria citada, o criminoso é chamado de "pedófilo" e não de "misógino", que é a descrição mais apropriada. E apesar de a Globo ter citado vários casos na matéria, em nenhum momento foi dito que TODAS as vítimas era mulheres.

Não é só uma dificuldade de ver misoginia, mas de ver psicopatia também. Pessoas que cometem crimes assim não podem se reintegradas à sociedade nunca. Não é lugar para elas, pois elas não se arrependem, não aprendem, não sentem remorso, culpa, ou empatia. O que percebo é que esse tipo de crime tem um fundo social porque é muito difícil que um misógino sinta empatia por mulheres. Conheci homens que tinham mais respeito por seus cães que por mulheres. E sempre topo com casos em que homens trataram mulheres como cães.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Não é o futebol que nos une como brasileiros, e sim o machismo


Posted: 06 May 2013 03:20 PM PDT

“Todos nós, homens, somos sim inimigos até que sejamos educados para o contrário. E tendo em vista a formação que tivemos, é um longo caminho até alcançarmos um mínimo de decência para com o sexo oposto”

Leonardo Sakamoto, em seu sítio

É incrível o malabarismo com palavras que alguns comentaristas fazem para justificar um comportamento machista. Gostaria de saber por que alguns machos cismam em achar que violência só aparece na forma de mata-leão, soco no olho e cotovelada que alguns proferem contra as mulheres quando não têm seus desejos atendidos. O pior é o que passa despercebido, como se fosse parte de algo que nos faz brasileiros.
machismo no brasil
O que nos une como brasileiros não é o futebol, e sim o machismo (Foto: Reprodução)
Muitas são vítimas de violência doméstica e no trabalho, enfrentam jornadas triplas (trabalhadora, mãe e esposa), não têm direito à autonomia do seu corpo – que dirá de sua vida, pressionadas não só por pais e companheiros ignorantes mas também por uma sociedade que vive com um pé no futuro e o corpo no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices. Discutimos muito sobre as mudanças estruturais pelas quais o país tem que passar, citando saúde, educação, transporte, segurança, mas esquecemos dos problemas ligados aos grupos que sofrem com o desrespeito aos seus direitos fundamentais. Que não conhecem classe social, cor ou idade. Como as mulheres que são maioria numérica – e minoria em dignidade efetiva. Alguns comentários:

1) Dado Dolabella, que ficou conhecido por agressão e por ser enquadrado na Lei Maria da Penha, ganhou um R$ 1 milhão em um reality show após voto maciço de internautas e telespectadores. Um povo que premia um agressor de mulheres tem moral para reclamar de corrupção na política ou de qualquer outra coisa?
 
2) Temos uma mulher na Presidência. Simbolicamente relevante, politicamente insuficiente. São poucas as governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas, vereadoras. Mas também CEOs, executivas, gerentes, síndicas de condomínios. Isso sem falar das chefias de redação. Falta criar condições para que elas cheguem lá. Ou alguém acha que isso vai ocorrer por geração espontânea?

3) A Suprema Corte tem 11 assentos. Só dois deles pertencem a mulheres, infelizmente. Quem liga a TV Justiça em horário de transmissão do STF de pautas importantes e temas que são holofotes para o ego sabe o que estou dizendo.

4) Para muita “gente de bem”, pior que exploração sexual de crianças é mulher adulta ter direito a decidir sobre seu próprio corpo. Até porque, cada coisa no seu lugar: mulher é historicamente objeto e menina com peito e bunda já é mulher.

5) Um juiz de Sete Lagoas (MG) disse ao rejeitar punições baseadas na Lei Maria da Penha?: “Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (…) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!”(…) Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões.”

6) Tem também o arcebispo de Olinda e Recife José Cardoso Sobrinho, que excomungou os médicos envolvidos em um aborto legal realizado em uma menina de nove anos, grávida de gêmeos do padrastro que a estuprava desde os seis anos de idade. Ela tinha 1,36 m e 33 quilos.

7) Em 1983, o ex-marido de Maria da Penha atirou nas costas da esposa e depois tentou eletrocutá-la. Não conseguiu matá-la, mas a deixou paraplégica. Muitos anos de impunidade depois, pegou seis anos de prisão, mas ficou pouco tempo atrás das grades. A sua busca por justiça tornou-a símbolo da luta contra a violência doméstica. A Lei Maria da Penha, aprovada em 2006 para combater a violência doméstica contra a mulher, sofre constantes ataques desde que foi criada. Interpretações distorcidas de juízes, falta de orçamento para colocar políticas de prevenção em prática, tentativas de diminuir a força dessa legislação.

8) A opressão é, por vezes, travestida de um simples costume. Por exemplo, forçar a namorada a adotar o sobrenome após o casamento é bisonho. A lei garante que ela não seja obrigada mas, mas forte que a lei, são os olhares tortos da família do noivo e, não raro, também da família da noiva. Uns vão chamar de tradição – esquecendo que tradição é algo construído, muitas vezes pela classe (ou gênero) dominante.

9) Homens que trabalham no Brasil gastam 9,2 horas semanais com afazeres domésticos, enquanto que as mulheres que trabalham dedicam 20,9 horas semanais para o mesmo fim – dados de uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho. Com isso, apesar da jornada semanal média das mulheres no mercado ser inferior a dos homens (34,8 contra 42,7 horas, em termos apenas da produção econômica), a jornada média semanal das mulheres alcança 57,1 horas e ultrapassa em quase cinco horas a dos homens – 52,3 horas – somando com a jornada doméstica. E os caras ainda dizem que trampam mais do que elas.

10) Pesquisas apontam que a violência doméstica não é monopólio de determinada classe social e nível de escolaridade. A mão que, à noite, espanca pode ter apertado o sinal de parada do ônibus ou roçado o banco de couro de um BMW. O que une os diferentes não é o futebol. É o machismo. Cantar um “tapinha não dói” tornou-se hit cult e sucesso popular.

É o que eu já disse aqui antes: todos nós, homens, somos sim inimigos até que sejamos educados para o contrário. E tendo em vista a formação que tivemos, é um longo caminho até alcançarmos um mínimo de decência para com o sexo oposto. Grande parte dos comentaristas deste blog estão aí para provar meu ponto.

O post Não é o futebol que nos une como brasileiros, e sim o machismo apareceu primeiro em Pragmatismo Político.

Garoto vítima de homofobia se suicida em Vitória

e pais culpam escola do filho

Por Redação em 27/2/2012 às 14h07


No último dia 17 de fevereiro um garoto se suicidou na cidade de Vitória por não suportar o bullying homofóbico que sofria na escola. Rolliver de Jesus, de 12 anos, se enforcou com um cinto da mãe e foi encontrado desacordado pelo pai. Ele chegou a receber socorro, mas não resistiu.

"Eles o chamaram de gay, bicha, gordinho. Às vezes ele ia embora chorando", contou um colega de Rolliver. De acordo com o site "Folha Vitória", o menino deixou uma carta de despedida, onde dizia não entender porque sofria tantas humilhações.

A mãe do garoto, Joselia Ferreira de Jesus, já tinha informado à direção da escola e pedido a transferência dos seus três filhos, mas a escola informou que os irmãos teriam que ser separados e irem cada um para uma escola diferente.
A mãe não aceitou a solução. "Eu não tinha denunciado a situação desse meu filho, mas de outro. O Conselho Tutelar também sabia. Eu pedi o remanejamento dos meus três filhos, mas disponibilizaram vagas em escolas diferentes", lamentou a mãe.

Na sexta-feira antes do Carnaval, Rolliver foi animado para a escola, mas crianças e adolescentes fizeram uma roda ao redor do menino, que foi humilhado e empurrado. Chegando em casa, ele cometeu o suicídio.

Escolas criam e perpetuam preconceitos, afirmam especialistas

Falta de material didático e preparo dos professores são dificuldades, segundo participantes de audiência pública no Congresso

Agência Brasil | 05/05/2011 12:27

O ambiente escolar é um espaço para o surgimento de atitudes sexistas e homofóbicas. Esta é uma das conclusões tiradas da audiência pública sobre preconceitos e discriminações na educação brasileira, realizada nesta quarta-feira na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados.
“Além de reproduzir, a escola cria homofobia”, disse a coordenadora do Projeto Escola sem Homofobia, da organização não governamental (ONG) Ecos - Comunicação em Sexualidade, Maria Helena Franco. “Não é mais adiante, mas é ali que está se criando o preconceito”, completou.

Na opinião de Helena Franco, os professores brasileiros não são preparados para lidar com o tema em sala de aula e não dispõem de material didático que possa auxiliá-los. “Material sobre a temática praticamente não existe”, disse após apresentar aos parlamentares um kit com livro, vídeos, boletins e cartaz que podem ser usados na escola em apoio à implantação do chamado “projeto político pedagógico”, que orienta o ensino.

O material elaborado pela ONG está em análise na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad, do Ministério da Educação (MEC), para ser replicado e incluído na grade de distribuição de material educativo do MEC. Segundo Helena Franco, o ministério já recebeu cerca de 1.500 pedidos do material que não está disponível na internet. A princípio, o material será distribuído a docentes do ensino médio, “mas pode ser usado por professores do ensino fundamental”, disse.

Situações de homofobia são verificadas, por exemplo, em situações de constrangimento, o bullying, que pode causar danos morais a quem sofre com comportamentos agressivos (físico ou verbal) recorrentes.

Uma pesquisa de 2009, apresentada pela ONG Plan Brasil, e publicada pelo Ministério Público do Maranhão, feita com 5.168 alunos de 25 escolas públicas e particulares de todas as regiões brasileiras, mostrou que sete em cada dez estudantes de diversas faixas etárias presenciaram cenas de agressões entre colegas. As principais vítimas são os meninos: 34,5% disseram ser vítimas de maus-tratos.

A situação dos meninos na escola começa a preocupar também pela questão de gênero, tradicionalmente associada à discriminação de mulheres. A pesquisadora Denise Carreira, da ONG Ação Educativa salienta que os meninos, especialmente os negros, abandonam a escola mais que as meninas.

Apesar desse dado e do fato de as mulheres já terem em média maior escolaridade que o homem, o mercado de trabalho é menos favorável a elas, que recebem salários menores. Para Denise Carreira, isso tem a ver com as vocações que são estimuladas na escola e as carreiras às quais acabam se dedicando.

“A educação sexista define que as mulheres são boas para isso, e não são boas para aquilo”, afirmou ao lembrar que o mau desempenho em ciências e matemática tem a ver com a falta de estímulo para que, no futuro, ocupem áreas de exatas. “Ainda hoje temos profissões ditas masculinas e profissões ditas femininas”, como as áreas sociais e de cuidados (professoras, assistentes sociais, saúde), com baixa remuneração. “É fundamental questionar a educação que estabelece papéis para homens e mulheres”, recomendou.

Bonecas são para meninos?

 Em algumas escolas, sim

Grupo de escolas estimula livre forma de brincar para promover infância sem os estereótipos masculino e feminino, um dos desafios para construir uma sociedade menos machista

Agência Estado |


Getty Images
Menino segura boneca em Phnom Penh, Camboja (foto ilustrativa/ 24/02/2003)
No salão de cabeleireiro de mentirinha, João Pontes, de 4 anos, penteia a professora, usa o secador no cabelo de uma coleguinha e maquia a outra, concentradíssimo na função. Menos de cinco minutos depois, João está do outro lado da sala, em um round de luta com o colega Artur Bomfim, de 5 anos, que há pouco brincava de casinha.

 
Nos cantos da brincadeira do Colégio Equipe, na zona oeste de São Paulo, não há brinquedo de menino ou de menina. Todos os alunos da educação infantil - com idade entre 3 e 5 anos - transitam da boneca ao carrinho sem nenhuma cerimônia.

"O objetivo é deixar todas as opções à disposição e não estimular nenhum tipo de escolha sexista. Acreditamos que, ao não fazer essa distinção de gênero, ajudamos a derrubar essa dicotomia entre o que é tarefa de mulher e o que é atividade de homem", explica a coordenadora pedagógica de Educação Infantil do Equipe, Luciana Gamero.

Trata-se de um "jogo simbólico", atividade curricular da educação infantil adotado por um grupo de escolas que acredita que ali é o espaço apropriado para quebrar alguns paradigmas. A livre forma de brincar visa a promover uma infância sem os estereótipos de gênero - masculino e feminino -, um dos desafios para construir uma sociedade menos machista.
 

"Temos uma civilização ainda muito firmada na questão do gênero e isso se
manifesta de forma sutil. Quando uma mulher está grávida, se ela não sabe o sexo da criança, compra tudo amarelinho ou verde", afirma Claudia Cristina Siqueira Silva, diretora pedagógica do Colégio Sidarta. "Nesse contexto, a tendência é de que a criança, desde pequena, reproduza a visão de que menino não usa cor de rosa e menina não gosta de azul."

Por isso, no colégio em que dirige, na Granja Viana, o foco são as chamadas brincadeiras não estruturadas, em que objetos se transformam em qualquer coisa, a depender da criatividade da criança. Um toco de madeira, por exemplo, pode ser uma boneca, um cavalo ou um carrinho. "Quanto menos referência ao literal o brinquedo tiver, menos espaço haverá para o reforço social", diz Claudia.

A reprodução dos estereótipos acontece até nas famílias que se enxergam mais liberais. Ela conta que recentemente, em uma brincadeira sobre hábitos indígenas, um menino passou batom nos lábios. Quando a mãe chegou para buscá-lo, falou de pronto: "Não quero nem ver quando seu pai vir isso."
"Podia ser o fim da experimentação sem preconceitos, que não tem qualquer relação com orientação sexual. Os adultos, ao não entender, tolhem essa liberdade de brincar por uma 'precaução' sem fundamento", afirma Claudia.
 

Visão de gênero
Se durante a primeira infância esses estímulos são introjetados sem que a criança se dê conta, ao crescer um pouquinho - a partir dos 5 anos -, elas já expressam conscientemente a visão estereotipada que têm de gênero.
No Colégio Santa Maria, no momento de jogar futebol, os meninos tentavam brincar apenas entre eles, não permitindo que as meninas participassem. Foi a hora de intervir. "Explicamos que não deveria ser assim e começamos a propor, por exemplo, que os meninos fossem os cozinheiros de uma das brincadeiras", diz Cássia Aparecida José Oliveira, orientadora da pré-escola da instituição.
Na oficina de pintura, todos foram convidados a usar só lápis cor de rosa - convite recusado por alguns. "Muitos falam 'eu não vou brincar disso porque meu pai diz que não é coisa de menino'. Nesses casos, a gente conversa com a família. Entre os convocados, os pais de meninos são a maioria. Um menino gostar de balé é sempre pior do que uma menina querer jogar futebol. E, se não combatemos isso, criamos uma sociedade machista e homofóbica."

O embate é árduo e é preciso perseverança. Mesmo no Colégio Equipe, aquele em que as crianças se alternam entre o cabeleireiro e o escritório, alguns comentários demonstram que a simulação da casinha é um primeiro passo na construção de um mundo menos machista. O pequeno Artur, de 5 anos, se anima ao participar da brincadeira. Mas, em um dado momento do faz de conta, olha bem para a coleguinha e avisa: "Eu sou o marido. Vou sair para trabalhar. Você fica em casa."
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