Segunda, 26 de agosto de 2013
unisinos
No Brasil, fontes oficiais estimam que uma mulher seja agredida
a cada 15 segundos; 243 por hora. De janeiro a dezembro de 2012, a
Central de Atendimento à Mulher (
Ligue 180)
processou 732.468 registros, num total de 3.058.392 atendimentos.
Destes, 88.685 são casos de violência - dez a cada hora. Metade se
refere a risco de morte, 39% a espancamentos e 2% a estupros.
Apesar dos números em progressão - as queixas formalizadas através do
Ligue 180 registraram aumento de 1.600% entre 2006 e 2012 e os relatos
de violência cresceram 700% no mesmo período -, os esforços do governo
para descortinar e acabar com a saga da violência doméstica no Brasil
ainda esbarram no fato de que em apenas 4% dos casos as vítimas ou
pessoas que convivem com elas procuram o serviço de proteção da
Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM-PR).
Num país onde quatro em cada dez admitem ter sofrido algum tipo de
agressão física, segundo pesquisa realizada em 2010 pela Fundação Perseu
Abramo, a maioria ainda prefere se calar.
A reportagem é de
Marleine Cohen e publicada pelo jornal
Valor, 26-08-2013.
Medo do agressor, vergonha, culpa: por mais que a
Lei Maria da Penha,
em vigor desde 2006, tenha aberto caminho para ajudar as vítimas a
quebrar o silêncio, o fato é que o Brasil ainda ostenta a sétima posição
no ranking mundial de maior número de homicídios de mulheres.
"As conquistas são recentes. A violência homem-mulher decorre do
aprendizado incorporado de que ela é um ser inferior. Só agora ela está
se tornando um sujeito de direitos e opções, capaz de direcionar a
própria vida", diz
Valéria Fernandes Diez Scarance, promotora de Justiça e fundadora do Gevid (Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica).
Aos sentimentos clássicos que blindam a violência, considerando que,
em 89% dos casos, o agressor é companheiro da vítima ou teve algum tipo
de vínculo afetivo com ela,
Valéria ainda acrescenta a
dependência econômica e emocional e, mais que tudo, "a crença da mulher
na mudança do parceiro, que, via de regra, prima por ser um bom cidadão
com bons antecedentes".
"Pesquisas mostram que este tipo de relação
atravessa fases cíclicas: inicialmente, há uma tensão entre o casal. Ele
aumenta a voz e se torna agressivo, o que culmina com a explosão, seja
em forma de espancamento, estupro e até homicídio. A este momento
segue-se outro, de lua de mel, durante o qual ele adota um outro tipo de
comportamento e promete mudar", explica a promotora, lembrando que a
violência é causada por um padrão comportamental passado de pai para
filho. "Esta é a forma de amor que os meninos e as meninas aprenderam em
casa".
Consequência direta deste modelo, que, segundo
Valéria,
deve ser igualmente desconstruído nos currículos escolares, "o homem
não se enxerga como agressor e a mulher, por sua vez, consegue dissociar
o sofrimento da lembrança da violência", depurando-a do risco que
embute.
É por este motivo que a iniciativa do governo alcança um sucesso apenas parcial, destaca
Sérgio Flávio Barbosa, coordenador do programa de responsabilização de homens autores de violência contra a mulher do
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde,
ONG surgida no início dos anos 80 em São Paulo. "Todos os esforços se
concentram na mulher. A política falha ao deixar de lado o atendimento
aos homens", diz ele, lembrando que "a vítima que denuncia acaba sendo
abandonada por um agressor que vai perpetuar o ciclo de violência em
outra relação".
Barbosa sustenta que é preciso haver "vontade
política" para que cada indiciado seja encaminhado a um centro de
responsabilização, onde, "durante seis meses, ele vai aprender a
ressignificar seu comportamento machista sob acompanhamento de um
técnico". A metodologia, implantada há sete anos pela ONG, resultou em
apenas três reincidências num total de 158 agressores atendidos, diz o
coordenador.
Para
Fábia Lopes, diretora de Enfrentamento da
Violência de Gênero da Secretaria da Mulher de Pernambuco, um dos
Estados da federação onde o machismo é tradicionalmente mais arraigado, a
erradicação deste grave problema social passa pela divulgação das suas
consequências: "Lembrar que a violência contra a mulher é crime e dá
cadeia permite conscientizar os homens", advoga
Fábia, lançando mão dos resultados de pesquisas realizadas em 2009 e 2011 pelo
Instituto Patrícia Galvão
em parceria com o Instituto Avon - um dos grandes fomentadores da causa
no Brasil --, segundo as quais 98% da população já ouviu falar da
Lei Maria da Penha.
"Agora, o desafio é popularizar os benefícios que ela garante às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar e os mecanismos
de punição aos agressores".
Em
Pernambuco, onde a população feminina conta com
10 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), seis Varas
de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, 14 Centros de
Referência Especializados no Atendimento à Mulher em Situação de
Violência e um Núcleo de Apoio à Mulher no Ministério Público, entre
outros, notou-se, segundo Fábia, uma redução de 24% no número de
mulheres assassinadas, que passou de 276 em 2011 para 210 em 2012. Em
comparação com 2006, o recuo é ainda mais expressivo: 34,3%, segundo
dados da Secretaria de Defesa Social do Governo de Pernambuco.
São resultados como esses que levam a ministra
Eleonora Menicucci,
da SPM-PR, e empresas da iniciativa privada a apostar todas as suas
fichas na articulação de campanhas e políticas públicas para promover a
erradicação da violência patriarcal no Brasil.
O Instituto Avon, por sua vez, redobrou suas ações transformadoras e,
além da campanha "Fale sem Medo - Não à violência doméstica", por meio
da qual busca lançar luz sobre a violência doméstica, ampliando o
entendimento da questão, ainda participa da rede de enfrentamento
gerando conhecimento através de pesquisas e coloca à venda produtos como
pulseiras, gargantilhas e anéis "da Atitude".
Segundo
Fábia Lopes, já é possível identificar
avanços: "Na pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, 86% dos homens
concordaram com a frase 'Quem ama, não bate'".