17/7/2010
unisinos
“Enquanto o machismo não acabar, as mulheres continuarão morrendo”, diz a promotora de Justiça Luiza Nagib Eluf (foto), especialista em crimes contra a mulher e homicídios passionais em entrevista à revista IstoÉ, edição 21-07-2010.
Com cinco livros publicados, entre eles o best seller A Paixão no Banco dos Réus, no qual analisa os principais crimes passionais que ocorreram no País, Luiza
diz que as leis atuais são boas, mas há ineficiência da polícia e do
Judiciário quando a mulher denuncia a agressão ao poder público. “Só a
prisão do agressor pode salvar a vida da mulher inocente”, diz ela, há
31 anos no Ministério Público, quase todos na vara criminal.
Eis a entrevista.
Eliza Samudio deu queixa contra Bruno à polícia, as agressões dele
foram comprovadas e mesmo assim, tudo indica, ela morreu numa emboscada
dele. Por que o Estado não a protegeu?
Essa é a grande questão. Nós temos leis boas, como a lei Maria da Penha,
a Constituição, que proíbe a discriminação contra as mulheres. Temos
uma lei que determina a criação dos juizados especiais de violência
doméstica. Mas a prática da Justiça e da polícia está ruim. Os advogados
e o Ministério Público estão cumprindo bem o seu papel. Falta a polícia
se convencer de que precisa ser mais rápida nas questões ligadas à
proteção da mulher e falta ação do Judiciário, que por vezes fica numa
posição de lavar as mãos para ver o que vai acontecer. A lei permite que
se prenda o sujeito que ameaça a vida da mulher. Mas os juízes não
mandam prender.
A proteção é falha?
A Eliza filmou depoimento na frente da delegacia dizendo que deu queixa, precisava de proteção e não conseguiu. A cabeleireira Maria Islaine de Moraes,
de Belo Horizonte, foi oito vezes à delegacia, recebeu medida protetiva
decretada pelo juiz – o ex-marido não poderia se aproximar dela – e foi
assassinada por ele em janeiro. Adianta decretar a medida e não
fiscalizar o cumprimento dela? É piada. Ninguém protegeu a moça. Ela
colocou câmeras no salão para comprovar as ameaças e o assassinato dela
foi filmado. O sujeito invadiu o salão sem dificuldade e deu seis tiros
nela. A medida protetiva não pode ser de brincadeira, o juiz tem que
designar um policial para garantir o cumprimento dela.
Mulheres que se relacionaram com Bruno contam que ele e os amigos as
surravam em festas e orgias. O que explica esse tipo de comportamento?
Para eles as mulheres que estão na fatia decaída da sociedade são lixo.
Eles, que tanto as procuram, têm ódio e desprezo por elas. Vamos
continuar dividindo a sociedade entre as mulheres honestas e as
decaídas? Essa divisão prejudica todas as mulheres, tem de acabar. Como?
Trazendo as prostitutas para o lado bom da sociedade. É preciso
enfrentar e dignificar a prostituição, porque ela não vai acabar.
Eliza teria morrido com extrema crueldade. Há uma escalada da violência?
Os requintes de crueldade são cada vez piores. No caso de Eliza,
aparentemente praticou-se violência de gênero, mas os métodos de
execução do homicídio foram os do narcotráfico, de matar aos pouquinhos,
mediante tortura. Analisei um caso do interior de São Paulo em que os
ladrões roubaram o carro de um senhor e o amarraram em uma árvore num
local ermo. Ele fez as necessidades fisiológicas ali e foi comido por
abelhas, formigas e outros bichos. Ele estava vivo enquanto era comido,
isso foi constatado pelo laudo pericial.
Corre em Santa Catarina um inquérito policial que investiga o estupro
de uma menina de 13 anos por dois adolescentes de 14, um filho de um
empresário importante e outro de um delegado. Como explicar isso?
É o machismo, a cultura do desrespeito à mulher. É o ponto extremo que leva ao estupro, à violência.
Neste caso, o delegado Nivaldo Rodrigues, diretor da polícia civil de
Florianópolis, admite que houve o ato, mas diz não poder falar se foi
na marra. O que acha disso?
Com violência, não existe vontade, com 13 ou 80 anos. E a nossa lei
penal estabelece que relação sexual com menor de 14 anos é um crime
chamado estupro de vulnerável. O delegado não tem de fazer ponderações
sobre se ela quis ou não quis, é estupro.
Segundo o Mapa da Violência 2010, uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, na maioria das vezes por parentes.
O espaço público é perigoso para os homens,
que são 90% das pessoas assassinadas na rua. Mas o espaço doméstico é
perigosíssimo para a mulher. Ela é atacada em casa. É vítima do marido,
do pai, do irmão, do padrasto. São os homens que vivem em volta dela que
batem, espancam, estupram e matam. O espantoso é que não são tomadas medidas imediatas para evitar mortes anunciadas, como a da Eliza.
Que medidas podem ser tomadas?
O Poder Judiciário precisa se convencer do perigo real que é a violência
doméstica. São os juízes que decidem sobre a prisão ou não do potencial
agressor e há um certo constrangimento de expedir mandados de prisão.
São tantos os exemplos que terminaram em morte que, diante de uma
queixa, é preciso mandar prender o agressor imediatamente. Temos de ter
claro quem é agressor e quem é vítima, pois nossa sociedade confunde os
papéis. Não venha dizer que o (jornalista) Pimenta Neves, coitadinho, enlouqueceu com aquele amor pela (jornalista, assassinada por ele em 2000) Sandra Gomide. Ele que pague por sua loucura. Também tivemos o caso da jovem Eloá Pimentel em 2008. Esperaram cinco dias o rapaz (Lindemberg Alves)
matar a moça. E quiseram culpar a família dela dizendo que não deveriam
ter permitido que ela, aos 12 anos, começasse a namorar. Quem tem culpa
é o Lindemberg, que se achava dono dela.
Qual o peso da classe social do agressor na violência contra a mulher?
Não é uma questão econômica, é cultural. É um padrão de comportamento.
Em todas as classes sociais os homens batem nas mulheres. O Pimenta não
sabia que não podia matar a Sandra Gomide? Ele fez isso porque passava fome quando era pequeno ou porque apanhou dos pais? Não, fez isso porque é machista. O Lindemberg é de uma classe social mais baixa e matou a Eloá pelo mesmo motivo: ambos achavam que eram donos delas.
Eles não temem a punição?
Não, porque não veem o Estado funcionar. Homicida passional não se
incomoda nem de deixar os próprios filhos na orfandade. No Brasil,
matam-se mulheres feito moscas.
O assassinato da advogada Mércia Nakashima é passional?
Com certeza, é tipicamente passional. Estudei 100 crimes passionais para
colocar 15 no meu livro. Todos foram premeditados, como esse parece ter
sido. (O principal suspeito da morte da advogada, cujo corpo foi jogado
numa represa em São Paulo, é o ex-namorado dela, Mizael Bispo de Souza.)
Em países menos machistas há menos violência contra a mulher?
Sim. Veja os países nórdicos onde as mulheres estão nos postos de
direção, quase equiparadas aos homens no mundo profissional. Isso faz
diferença porque é questão de respeito. É a maneira como o homem encara a
mulher e como ela se vê diante dele.
É curioso ela não usar o termo misoginia em nenhum momento da entrevista. O Bruno e seus amigos eram misóginos, nunca tive nenhum dúvida. Sabendo que eles surravam as moças, tenho mais certeza. O fato é que eles desejam bater em qualquer mulher, só que as prostitutas, pra eles, são as presas mais fáceis.
ResponderExcluiresse termo "misoginia" é praticamente desconhecido, muito raro ver alguém usando
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