http://pragmatismopolitico.blogspot.com/2011/05/que-engrenagem-social-esta-por-tras-dos.html
No
ano de 2010 foram registrados 153 feminicídios no Ceará, entres esses
16 foram de adolescentes de 13 a 17 anos. Do final de 2010 até maio de
2011, alguns casos envolvendo o assassinato de garotas chocaram o país.
Alguns deles:
·Novembro
2010, Salvador: Janaína Brito Conceição, de 16 anos, e Gabriela Alves
Nunes, de 13, foram estupradas e mortas por três homens adultos.
· Março 2011, Cunha SP: as irmãs Josely Oliveira e Juliana Oliveira, de 16 e 17 anos foram assassinadas a tiros em Cunha por um homem adulto conhecido da família que tinha interesse por uma delas, suspeita-se do envolvimento de sua namorada no crime.
· Abril 2011, Cassilândia, MS: Adrieli Camacho Almeida, de 16 anos, foi morta a facadas porum adolescente, também de 16 anos, irmão de sua namorada, um feminicídio homofóbico.
· Maio 2011, Santana da Parnaíba: Elaine Gomes da Cruz e Raizza Tavares, ambas de 13 anos, assassinadas por dois adolescentes de 15 anos cada, colegas de colégio, um deles namorado de Elaine.
O que está indicando esses feminicídios juvenis?
Possivelmente
a configuração de novas engrenagens de subordinação das mulheres como
reação aos avanços e às desconstruções das modalidades tradicionais da
dominação masculina.
Novas
modalidades de relações de dominação e de violência masculina,
estruturadas num contexto de generalização de uma sensibilidade
contrária à violência de gênero contra as mulheres e de avanço do
reconhecimento dos direitos das mulheres, o que parece ser uma
contradição.
Chama
a atenção a persistência de associação de homens, sejam amigos, sejam
contratados, para a realização dos crimes. Não podemos deixar
despercebido o fato dessas jovens estarem sendo assassinadas em duplas,
de amigas, de irmãs, ou outras que surjam.
A formação dessas novas modalidades de dominação e violência de gênero é impulsionada por um contexto social minado por uma cultura de violência,
de intolerância, de individualismo e também de impunidade. Somando a
tudo isso uma nova configuração de infância e de adolescência marcada
pela incorporação desses grupos no mundo adulto.
Se
a infância moderna foi construída como idílica, pura, ingênua, vivendo
num mundo de fantasia, a infância pós-moderna está imersa no mundo do
mercado, das mídias vivenciando as mesmas experiências que os adultos,
mas sem amadurecimento biológico, emocional e afetivo para o
discernimento e a escolha de valores e de experiências.
A
morte violenta, a interrupção da vida da mulher, nesse contexto
paradoxal, emerge como a possibilidade mais fácil e complacente de
eliminar conflitos e antagonismos entre homens e mulheres? O surpreendente
é esse padrão de comportamento e sentimento masculino estar presente
em adolescentes e jovens, grupo social que até então apresentava mais
abertura para mudanças e para a constituição de valores e atitudes
igualitárias.
Observamos dois fenômenos. O aumento do número de meninas
e adolescentes assassinadas em contextos engendrados, e o aumento de
adolescentes feminicidas, assassinos de mulheres. Estão ocorrendo casos
em que adolescentes são assassinadas em situações de envolvimento amoroso em meio a rupturas e conflitos com os parceiros, e também em situações de violência sexual, em que são vítimas de crime sexual.
A
ativação precoce demais dos estímulos sexuais de adolescentes e
crianças estimula a experimentar as experiências sexuais mais precoces
(como fatos naturais que os fazem sentir-se ‘como os grandes’ =
adultos), quando psicologicamente não estão preparados para enfrentar e
resolver os desentendimentos, as maluquices e desorganizações das
relações humanas.
Combinando-se
essa precocidade com uma cultura de violência disseminada na sociedade
e apresentada na mídia de modo espetacularizado em que assassinos de
crimes de todo tipo parecem celebridades (caso Bruno – Elisa e tantos
outros).
Essa combinação desencadeia a ‘novidade’ no adolescente: ele reage à moda espetacularizada, dando uma de macho (porque foi isso que ele aprendeu!) e mata. O assassino das amigas Elaine e Raizza estava sorrindo diante do assédio da imprensa ao ser preso!
Em
alguns casos ocorridos em 2010, o feminicídio de jovens tinha relação
com vingança e queima de arquivo pelo fato das vítimas saberem demais
sobre crimes e trafico de drogas, mas o crime traz violência sexual,
como estupro, nudez, mutilação e até carbonização do corpo, indicando
intensa crueldade e ódio. Isso mostra o envolvimento de gente sempre
mais nova com o mundo das drogas e do crime, que antes se constituía
como universo masculino e cada vez mais tem envolvido mulheres,
inclusivas as mais jovens.
O
enfrentamento à violência de gênero contra a mulher no Brasil tem um
percurso de quase 36 anos, se tomarmos como referência inicial a
mobilização de grupos de mulheres, quando do assassinato de Ângela
Diniz, em 30/12/1976, para denunciar a violência de homens contra
mulheres em envolvimentos amorosos.
Desse tempo até os dias atuais passou-se das denúncias para a reivindicação de políticas de atendimento às mulheres em situação de violência, bem como de combate a essa violência contra a mulher, até chegarmos a uma lei que se centra na garantia de direitos da mulher a uma vida sem violência – a Lei Maria da Penha.
As
políticas públicas de combate à violência de gênero contra mulheres
trançam um percurso da repressão/suspensão do crime, centrando-se no
agressor –boletim de ocorrência, intimação, acordo ou penas de cestas
básicas- para uma a criminalização dessa violência, aproximando-se de
uma justiça reparativa que deve também oferecer às mulheres violentadas
as condições para a garantia e restauração de seus direitos violados,
além de punir o criminoso.
Mas,
as engrenagens que estruturam na cultura a subordinação feminina e a
violência contra as mulheres parecem dispor raízes mais profundas do
que imaginávamos. É na formação da subjetividade dos sujeitos sociais
que se pode compreender a sujeição e a dominação como elementos de
constituição desses sujeitos.
A
persistência e a continuação de homens dominadores e violentos
devem
ser buscadas não apenas na história individual de cada sujeito,
mas,
sobretudo, no estado, na sociedade,
cujos discursos e práticas
interpelam o masculino como dominação e controle e o feminino como
sujeição e dependência.
Que fatores, valores alimentam esse tipo de
interpelação de ser homem macho e controlador e ser mulher subordinada e
dependente?
Começar
ações de prevenção, com disciplinas escolares sobre direitos humanos e
relações de gênero, desde o maternal até o nível superior pode ser uma
ação positiva de política pública, para firmar valores de
reconhecimento, diversidade, direitos humanos e cidadania, pode ser o
nosso próximo passo.
Não
é fazer uma aula, uma palestra ou oficina, mas criar um conteúdo de
aprendizado para uma nova forma de ser homem e de ser mulher com base
numa vivência de cidadania plena.
Maria Dolores de Brito Mota
Socióloga, Profª da UFC
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