domingo, 27 de outubro de 2013

Polanski e a menina: uma dura denúncia da mídia e da máquina do judiciário

cartamaior

Samantha Geimer, estuprada por Roman Polanski, conta em seu livro que seu sofrimento foi ampliado pelo aproveitamento do caso pela mídia e pelo judiciário.


Ladislau Dowbor Somos todos fãs de Roman Polanski (O bebê de Rosemary, Chinatown, O pianista), nos deu muita felicidade com os seus filmes. Como conciliar esta simpatia com a visão de um quarentão que estuprou uma garota de 13 anos? Claro, porque todos também se lembram de Polanski por este lado mais escuro, em particular porque tivemos algumas décadas de noticiário internacional e nacional, em todas as mídias, sobre o “caso”. Com que gosto a mídia internacional e o sistema judiciário americano ficaram se lambuzando, décadas a fio, neste assunto predileto de uma boa parte da humanidade, que é de saber quem faz o que com os buraquinhos de quem. Quando se junta fama, então, ninguém resiste. Penetrar na intimidade dos famosos vende bem.

Quase quarenta anos depois dos fatos, Samantha Geimer, a garotinha, decidiu escrever um livro (nota) não para pegar carona na fama que lhe granjeou o caso, mas para denunciar a imensa indústria da notícia, a perversa articulação da pompa do judiciário com a mídia indignada, num quadro ideal e lucrativo: poder falar de detalhes sexuais com o peito estufado de ética ofendida.

Comentários sobre o livro são numerosos, tenta-se extrair ainda algumas gotas do assunto. Alguns ainda declaram de forma espalhafatosa que ela “perdoa” o estupro, buscando gerar notícia. Mas o que temos aqui é diferente. Samantha se calou durante quarenta anos, tentando se esconder da mórbida curiosidade mundial sobre como foi sentir a penetração anal de um pênis tão famoso. Hoje, casada, com filhos, cinquentona, relata o drama de uma pessoa marcada aos 13 anos para sempre por este fato.

Ao constatar o teatro jurídico em que se transformou o seu processo, por “sexo não-consensual”, já que não houve violência, e frente a um juiz que não hesitava em consultar amigos jornalistas para saber como achavam que a opinião pública receberia uma pena mais pesada ou mais leve que ele impusesse ao réu, Polanski fugiu dos Estados Unidos e se refugiou na França. Com isso, o processo continuou à revelia, com pedidos de extradição, uma detenção para averiguações na Suíça, e a cada pequeno fato jurídico manchetes mundiais indignadas sobre o cineasta famoso, contra ou a favor, mas sempre manchetes.

E, a cada manchete, voltavam os jornalistas a vigiar a casa da Samantha, telefonar centenas de vezes inclusive para o seu emprego, colocando-o em cheque.  Nem os filhos escaparam, emboscados em saídas da escola ou da própria casa. Na rua frente à residência, vans estacionadas com vidros pintados, com filmadoras em permanência focadas nas janelas, na porta de entrada. Na ausência de noticias, inventaram-se entrevistas, declarações, tudo para alimentar a novela. Nunca a deixaram ter uma vida familiar e profissional tranquila. Samantha não poupa críticas. Ela era vítima, criança, tinha de ter a sua identidade protegida, ter direito a uma vida que lhe permitisse se reequilibrar, voltar à normalidade, sem tanta perseguição.

 Do lado do judiciário, o comportamento não foi melhor. Na noite do estupro, Samantha contou para um ex-namorado, a irmã ouviu a conversa, contou para os pais, que chamaram um advogado, que chamou a polícia, originando-se uma denúncia formal, o que levaria a garota, que queria esquecer o assunto, a ser obrigada a repetir para dezenas de autoridades judiciais os detalhes do caso, se ele a forçou, como foi o diálogo, o que bebeu e assim por diante. E naturalmente as penetrações anais com instrumentos para coleta de material, para verificar a existência de esperma. E não tardaria, naturalmente, o vazamento à imprensa do que tinham sido deposições cobertas pelo sigilo judicial. Verdade que o juiz encarregado do caso, e que fez a sua fama nas costas dela e de Polanski, terminou completamente desqualificado. Hoje falecido, sobrou-lhe a fama e imagem de falso moralismo e de péssimo juiz.

No livro, em nenhum momento a autora perdoa o fato Polanski ter se aproveitado, e deixa isto bem claro em várias passagens. Foi estupro, ponto. Como escreve, “o perdão foi para a minha paz de espírito; tinha pouco a ver com ele” (p.228). Mas o eixo central que ela deixa claro em toda extensão do livro é que o aproveitamento do caso pela mídia e pelo judiciário gerou sofrimento para ela sem comum medida com o que tinha sofrido com o estupro. E mostra e afirma igualmente que o sofrimento, exílio, prisões e perseguições que Polanski sofreu também foram sem comum medida com o que ele fez. Samantha escreve com raiva sobre famosos comentaristas de TV, em programas de grande audiência, apelando para que o público se solidarize com a “pobre menina”. Mais lucro e pontos de audiência em nome da ética.

A máquina é infernal. Os advogados de defesa do Polanski foram naturalmente levados a destruir a imagem de menina abusada por um adulto, jogando aos quatro ventos uma relação sexual que tinha tido com o namorado, como prova de que não era inocente. E construíram uma imagem da mãe, como piranha que ofereceu a filha para ganhar espaço na indústria do cinema em Hollywood. Os advogados de acusação buscaram naturalmente fazer o semelhante com Polanski. A opinião pública se dividiu entre os que se solidarizaram com Polanski contra a garotinha perversa e a mãe piranha, ou os que navegaram na defesa da pobre menina inocente e da mãe enganada.

O interessante mesmo, é que ninguém deu a mínima para a preservação da intimidade e da vida da vítima, nem para uma justiça discreta e eficiente que punisse o que foi um crime. O casamento da grande mídia comercial com um sistema judiciário perverso, no caso, moeu a vida de duas pessoas que mereciam melhor. Nada melhor que a palavra da própria Samantha: “A razão de ser da justiça não é o entretenimento ou enriquecimento de funcionários públicos, comentaristas e corporações da mídia. Eu não acredito que a punição e o espetáculo possam substituir a justiça.”(P.242)

Nota
Samantha Geimer – The Girl: a life in the shadow of Roman Polanski – Atria Books, New York, 201; lançado no Brasil como A Menina – uma vida à sombra de Roman Polanski

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A PLC 5555 e os Fatos Reais

Minha amiga Patty escreveu (Leiam aqui) essa semana sobre a PL555 que fala sobre a "... facilidade do compartilhamento de vídeos e fotos na internet propiciou o surgimento de uma nova modalidade de violência de gênero: a divulgação de imagens íntimas de mulheres com intuito difamatório. O PLC 5555 - 2013 pretende tornar esse ato de violência (e de traição) um tipo de violência doméstica enquadrada na lei Maria da Penha. Faz sentido. O ato é predominantemente cometido por companheiro ou ex, é até meio óbvio que se trata de violência doméstica."

A reação dos homens (sic) lá no site Votaweb foi revelador
abaixo coloco os prints das votações

Neste print, é possível notar que duma amostra de 4274 homens que votaram, 67% deles são contra a lei....


Votos dos homens










Só que a maioria das mulheres é a favor. Das 1736 que votaram, 86% são favoráveis.

Votos das mulheres

É evidente que há recorte por gênero nesse tipo de crime, visto que é praticado quase que exclusivamente por homens e contra mulheres. Os criminosos sabem que a sexualidade feminina ainda é controlada em nossa sociedade e se utilizam disso para agredir mulheres num ato de extrema misoginia, escreve Patty.


Os comentários dos rapazes tbm são no mínimo intrigantes, se sentem vulneráveis tadinhos, desprezados, sem proteção alguma...



Mas péra lá - ele fala de estupro e coloca link de abuso de crianças denunciados pelas mães? - realmente argumento zero onde pretende colocar todas as mulheres como mentirosas em potencial, mas enfim, na falta de coisa melhor é assim mesmo que se faz, apela-se para a mentira, é sabido que uma ínfima parte das denuncias de estupros é mentirosa...

Ah! como eles são pobres e infelizes, não há justiça para os homens, basta denúncia de uma mulher malvada e lá vão elas para o xilindró com a vida arrasada, como sofrem os coitadinhos ....


O cidadão nem entendeu a proposta da PL, mas enfim , isso acontece com FREQUÊNCIA...


Felizmente nem todos tem a mesma opinião:



Que descreve exatamente o que ocorre, e vejamos então um fato recente, que demonstra como a nossa sociedade está ainda na era Vitoriana, e é especialmente cruel com as mulheres.



 23/Oct/2013 às 15:55

Garota que teve vídeos íntimos divulgados desabafa: "fiz por amor"


'Não me arrependo porque fiz por amor', diz garota sobre vídeo de sexo. Jovem de 19 anos teve imagens íntimas divulgadas nas redes sociais. Em entrevista, ela desabafa: 'Queria ter minha vida de volta'

A estudante de 19 anos que teve vídeos íntimos divulgados em um aplicativo de celular e nas redes sociais diz que sua vida “virou um inferno”. Parou de estudar e de trabalhar desde que o caso ganhou repercussão, no início do mês. Ela só sai de casa para conversar com advogados sobre o processo que move contra o suspeito de divulgar as imagens, com quem a jovem diz ter se relacionado por três anos. “Não me arrependo porque fiz [o vídeo] por amor, com uma pessoa que eu amava e em quem eu confiava. Só que isso não deveria ter sido mostrado para ninguém”, disse a jovem, em entrevista à TV Anhanguera e ao portal G1.

Abalada e com o visual diferente, para não ser reconhecida nas ruas, ela conta que está há praticamente 20 dias sem sair de casa. A estudante, que era vendedora em uma loja de roupas, resolveu falar publicamente sobre o caso, que ela considerou “humilhante”, porque, segundo ela, está sendo condenada por muitas pessoas que não conhecem toda a história.

“Eu não cometi nenhum crime. Mas pessoas me ofendem virtualmente e moralmente. Muita gente me chamou de vadia, prostituta. Um homem chegou a me mandar uma mensagem falando que viria a Goiânia no final de semana e que me pagava R$ 10 mil para sair com ele”, afirma.

A situação chegou ao ponto de influenciar as colegas de trabalho. “Chegavam na loja e ofereciam programa [sexual] pra elas”. Ela foi afastada do trabalho até que a situação se acalmasse. No entanto, a vendedora não sabe se voltará. “Gosto muito de trabalhar lá. Mas não sei quando conseguirei voltar”.

(é um linchamento moral impiedoso e em massa - é assim que a nossa sociedade machista age - mulher não pode fazer sexo, gostar de sexo que é imediatamente atacada de todas as formas)

O curso de design de interiores em uma escola particular de Goiânia também foi abandonado. “Meus professores e meus colegas conhecem minha índole. Eles estão me ajudando e estou recebendo as aulas por internet. Não vou parar de estudar”.

A vendedora ressalta que vai ser difícil retomar sua rotina: “Queria ter minha vida de volta. Eu morri em vida. Vai ser um trauma que eu vou levar para a vida toda”.

Ela registrou um boletim de ocorrência no último dia 3. A Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam), em Goiânia, está investigando o caso, que ganhou grande repercussão na internet. “Acho que nem ele [ suspeito] imaginava que fosse tomar essa proporção. Não tem como controlar e estipular quantas pessoas viram. Não tem como pegar o celular de todo mundo e apagar”, disse. Ela pede que as pessoas denunciem o link do vídeo para que as imagens sejam retiradas da web.

Além do apoio de familiares e amigos, a estudante afirma que as redes sociais têm ajudado a “erguer a cabeça”. “Criaram páginas de apoio. São mais de 35 mil pessoas me dando força, enviando mensagens, até gente de outros países. Inclusive, outras pessoas que passaram por situação parecida dão o seu depoimento. Do mesmo jeito que tem gente me criticando, tem gente me apoiando”.

Vídeos

Nos vídeos divulgados em mensagens de celular e na web, é possível ver a estudante em atos sexuais. O caso ganhou repercussão e virou meme [termo usado para frases, imagens e vídeos que se disseminam na internet de forma viral] nas redes sociais.

As gravações se propagaram rapidamente pelo aplicativo de celular. Em um dos vídeos, a jovem aparece fazendo um sinal de ‘OK’. O símbolo virou piada nas redes, com montagens de políticos. Fotos de celebridades fazendo o sinal de OK também começaram a ser usadas pelos internautas. No entanto, algumas imagens teriam sido tiradas antes da polêmica e não se referem ao caso.

A estudante conta que ficou sabendo do vídeo por uma amiga, no dia 3 de outubro, enquanto trabalhava. “A primeira coisa que eu fiz foi ligar pra ele [suspeito]. Ele negou e disse que ia me ajudar a descobrir quem foi”.

No entanto, para a estudante, não há dúvida de que foi o ex quem divulgou, pois há anos era a única pessoa com quem se relacionava e com quem já tinha gravado vídeos íntimos. “As imagens ficavam dentro de uma pasta no celular, que fica dentro de outra. Para entrar nas duas é preciso de senha que só ele sabe”, ressalta.

A garota lembra que o vídeo já tinha se espalhado quando ela teve conhecimento: “Eu só chorava”. Ela afirma que no dia seguinte procurou a delegacia para registrar a ocorrência.

“Meu celular resetava de tantas ligações. Meu Whatsapp [aplicativo de celular para envio de mensagem] parecia uma calculadora, não parava de somar, foram mais de 4 mil mensagens de desconhecidos com DDD do país inteiro. Não respondi ninguém. Também tive que excluir minha conta no Facebook”, declara a estudante.

Punição

Apesar de um inquérito policial estar em andamento, a jovem acredita que o suspeito de divulgar as imagens não será punido. “Não tem punição para este tipo de crime, não tem uma lei que enquadre ele. Ele até pode ser considerado culpado, mas não vai ficar preso. Ele nunca vai conseguir pagar pelo mal que me fez”.

Ao prestar depoimento, o suspeito negou as acusações. A Polícia Civil ainda ouve testemunhas do caso. A delegada responsável pelas investigações, Ana Elisa Gomes Martins, não quis divulgar o conteúdo dos depoimentos “para não atrapalhar as investigações”. Também é feita uma perícia no celular da estudante.

Para a estudante, além de uma legislação sobre crimes virtuais, é preciso criar uma delegacia especializada. “O assunto é novo. Peritos e policiais não são especializados neste tipo de análise”, afirma a jovem.

Paula Resende, com TV Anhanguera e G1





sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Como criar um filho gentil com tanta violência masculina contra mulheres?



17/Oct/2013 às 14:34

PP


"A ideia de ter um filho me assustou". Se a violência masculina é a maior ameaça às mulheres, como criar um filho gentil?


Por Christopher Zumski Finke, original em Yes! Magazine. Tradução de Isadora Otoni.

A ideia de ter um filho me assustou: Que tipo de homem ele se tornará quando crescer? Confira abaixo o que eu aprendi sobre como criar um homem com compaixão

Minha mulher e eu tivemos Rhodes, nosso primeiro filho, há quatro meses. Isso é o que eu mais me lembro daquela primeira semana: o cheiro de sua pele e sua respiração quando ele dormia no meu colo em nossa cama – pequeno, quentinho, e frágil, como um ovo. Eu respirava o cheiro da vida mais nova que já encontrei enquanto ele dormia.

 O autor do artigo com seu filho, Rhodes, em casa 
(Arquivo pessoal de Christopher Zumski Finke)

Ele não era pequeno demais, mesmo assim eu ficava maravilhado por como esses novos seres humanos chegavam tão minúsculos. Nós, a criatura mais dominante da Terra, começamos a vida tão desamparados, e vermelhos, e bonitos. Sabia, enquanto ele descansava apertado contra meu coração, que faria qualquer coisa para protegê-lo, amá-lo, e apresentá-lo ao mundo.

Mês passado, quarto homens na Índia foram sentenciados a morte por estuprar e matar com tanta brutalidade que quase não acreditei. Na semana anterior, quatro jogadores de futebol americano da Universidade Vanderbilt foram acusados de estuprar uma mulher inconsciente (algo muito parecido como os eventos do último ano em Steubenville, Ohio). E durante a primavera anterior, pouco antes de Rhodes nascer, Ariel Castro foi preso em Cleveland por aprisionar três mulheres – sequestrada quando jovens – em sua casa durante dez anos.

Essas e outras histórias constantemente enchem nossas redes sociais, programas de tevê, jornais, mídias sociais, blogues… É quase impossível evitar histórias de violência, estupro, e dominação. Viver decentemente já é difícil suficiente sozinhos, e agora preciso criar um filho corretamente em um mundo que é, em parte, caracterizado pela violência masculina.

Louis CK resume isso melhor: “Não existe ameaça maior às mulheres do que os homens. Nós somos o número um em ameaça às mulheres. Globalmente e historicamente, nós somos o número um em danos e lesões às mulheres”. E eu me preocupo que ele esteja certo.

Agora que eu sou um pai, me deparo com essa questão constantemente: Como criar um filho com compaixão e dignidade? Um homem que respeita mulheres?

 

Menino ou menina?

No começo da gravidez, minha mulher e eu discutimos se preferíamos criar um menino ou uma menina. Isso estava totalmente fora do nosso controle, mas a conversa mexeu comigo: menino ou menina? Nós criamos um mundo de coisas belas assim como coisas terríveis. Eu submeteria um menino ou uma menina a isso?

Enquanto esperava nossa criança, minha preocupação quanto às notícias de violência sexual atingiram novos patamares, e influenciaram o que pensava sobre criar um menino ou uma menina.

Uma menina, o primeiro pensamento que tive, poderia estar protegida. Me preocupei com sua segurança, mas pensei que poderia protegê-la das ameaças domésticas contra mulheres.

Mas um menino, isso realmente me assustou. Meninos são as ameaças domésticas contra mulheres. Se eu tivesse um menino, nós deveríamos criar um homem. E que tipo de homem ele seria?


Tenho dificuldades imaginando meu filho como qualquer outra pessoa diferente da criança inocente que ele é hoje. Minha hipótese é essa: Eu serei um bom pai e ele será um bom garoto. Mas eu não posso ver o futuro. Eu o amo e quero que ele ame aos outros, quero que ele seja gentil, seja responsável por suas ações, e trate as outras pessoas com respeito. Eu quero que ele aprenda com o homem que escolheu esse comportamento, e não o poder e abuso.

 

Homens como Pacificadores

“Isso é endêmico.” Esse é Ed Heisler, diretor executivo da Homens como Pacificadores, falando sobre as estatísticas de violência sexual e abuso doméstico.

“Essa é o ar social que os jovens estão respirando enquanto crescem”, ele me disse. “A mídia, o ambiente esportista, o jeans, os adultos que vendem jeans, os pais, as professoras que temos nas escolas, os líderes religiosos – todos criam um ambiente que normaliza a dominação e o controle do homem. Ele escolheu a palavra certa: endêmico. “É assim há algum tempo e permanecerá assim até que algo no ambiente social mude.”

A entidade Men as Peacemakers (Homens como Pacificadores, em tradução livre) foi fundada em Duluth, após a comunidade se chocar com uma série de assassinatos cometidos por homens nos anos de 1990. Quando os cidadãos se reuniram para discutir o combate à violência em sua cidade, a maioria presente era de mulheres. Isso preocupou alguns dos homens, que convocaram um retiro de 55 homens da área para discutir seus papéis e suas responsabilidades para diminuir a violência. Uma das iniciativas que nasceu do encontro foi a Men as Peacemakers, cuja missão é ensinar alternativas não violentas a homens e garotos, e que a violência era inaceitável.

Procurei por Heisler com uma questão honesta: Como criar meu filho para ser um homem preocupado em fazer sua parte para mudar o ambiente social que subjuga as mulheres?

A entidade tenta mudar esse ambiente incorporando exemplos e mentores por toda a comunidade. Por exemplo, O Festeiro Exemplar, um programa coordenado com a faculdade College of St. Scholastica, tenta reformular a cultura de festas na América para uma que é segura e equitativa às mulheres.
Eles fazem isso colocando mentores nas escolas, colégios, organizações juvenis, e outros lugares onde jovens podem ter uma conversa honesta sobre sexualidade e festas. E acontece que a linguagem e a conversa formam as atitudes de homens jovens em relação às mulheres.

Mencionei uma anedota da edição deste ano da Exposição de Entretenimento Eletrônico. Durante a apresentação da Microsoft do novo Xbox One, o jogador masculino e MC deu um beatdown virtual na jogadora antes da audiência ao vivo, dizendo a ela: “Apenas deixe acontecer. Terminará rapidinho.”

Em uma cultura em que o discurso de dominação e abuso são socialmente permitidos (videogames), essa é a linguagem dominante – e a linguagem que usamos importa. A língua pode tanto capacitar quanto objetivar. (Compare os resultados de “college women” e “college girls” na busca do Google Imagens, e aí você verá o meu ponto).

A Iniciativa dos Campeões, outro programa do Homens como Pacificadores, reúne atletas universitários com jovens e trabalha diretamente com as associações esportistas e treinadores para garantir que a prevenção da violência contra mulheres faça parte de suas missões.

Desde que a tentativa de estupro de Steubenville focou na cultura dos esportes e na violência sexual, Heisler acredita que esse ambiente é crítico. Ele usa o caso de Steubenville em um exercício de imaginação em que pede aos meninos para “pensar naquela jovem de Steubenville como um garotinho” e considerar como seu ambiente se parece: “De alguma forma aquelas crianças aprenderam o que seu senso de humor era e como aquela mulher era apenas um objeto de prazer para os homens – algo que não importa, no qual eles podem urinar, do qual eles podem usar, fazer o que eles quisessem e não se importar. Essa não foi a forma como nasceram.”

Então, talvez os homens são a pior coisa que já aconteceu para as mulheres, mas nós não nascemos assim. Nós aprendemos isso. Mesmo bem intencionados, jovens responsáveis são capazes de tomar decisões terríveis se são encorajados, preparados, ensinados a fazer o contrário.

Então, perguntei a Heisler diretamente: Você está falando com um recém papai. O que é mais importante, diga um conselho fundamental que você pode me dar para que eu tenha certeza de que as crianças que estou criando não serão um problema aos direitos humanos?

Sua resposta? Crie um ambiente inteiramente novo para o rapaz:
“Novos pais têm a oportunidade e responsabilidade de pensar proativamente em como moldar e providenciar um novo ambiente para uma criança, um que irá definir os papéis e expectativas de igualdade, dignidade e respeito entre homens e mulheres.”

Isso significa não só ser um exemplo em como tratamos as mulheres, as parceiras e as desconhecidas em público, mas também em o que achamos sobre o nosso lar e os lugares que frequentamos.

“Nós estamos tentando criar um mundo em que pais – homens – estejam dando um passo adiante e pensando de verdade sobre como criarão um novo ambiente que promova igualdade de gêneros e respeito a mulheres.” Heisler me disse. “Nós temos uma corrente nos puxando para a direção contrária. Exige muito esforço para criarmos um ambiente que influencie nossos jovens.”

 

Mudando a corrente

Uns dias antes, tomei uma cerveja com Todd Bratulich e Luke Freeman. Depois de toda a pesquisa sobre violência e dominação, eu queria me refrescar. Todd é um jovem pastor na Primeira Aliança (First Covenant), uma igreja comunitária urbana em Minneapolis; Luke, um professor de ensino médio. E mais importante: assim como eu, eles têm filhos pequenos.

Conversamos sobre como sermos bons homens que amam suas esposas, seus familiares e seus amigos, e como queríamos criar um ambiente agradável para nossos filhos crescerem. Nós todos nos sentimos bem por nos comprometermos com essas questões, pensando que estamos fazendo a nossa parte – nós não fazíamos parte da cultura de violência contra mulher.

E então, sentindo a nossa autossatisfação, Luke disse: “Nos apunhalamos pelas costas porque criamos muitas expectativas para nós mesmos, apenas vamos seguir em frente e aproveitar o nosso privilégio.”

E percebi, não tinha feito nem um pouco a minha parte. Não ainda. Tratar minha esposa com amor e gentileza é vital, claro. Mas também é o mínimo.

Nós devemos ser ativos, criativos, cheios de propostas para estender esse comportamento em todo momento de nossas vidas se queremos ser pacificadores, devemos nadar contra a corrente e criar o espaço necessário para criarmos nossos filhos com empatia e compaixão.

Nós três levantamos nossos copos para brindar o desafio, e voltamos para casa para ver nossos filhos.

sábado, 12 de outubro de 2013

Desacatei policial que me chamou de gostosa e fui presa

PP
 
11 out 2013

“Eu estou sendo presa por desacato a autoridade porque o policial me chamou de gostosa e achou isso certo”. A cena aconteceu durante manifestação em defesa da educação no Rio de Janeiro

desacato pm protestos rio janeiro

(Reprodução , Youtube)
Maíra Kubik, em seu blog

Uma jovem está parada na rua olhando o celular. Pouco depois, vários policiais estacionam suas motos ao seu lado. Alguém fala e ela responde. Não é possível ouvir o que dizem, mas em seguida, eles decidem detê-la. “Eu estou sendo presa por desacato a autoridade porque o policial me chamou de gostosa e achou isso certo”, grita para a câmera logo ali.

Sim, ele chamou ela de gostosa e ela não gostou. Reagiu. A punição? Xilindró, lógico!
A cena aconteceu durante a manifestação de ontem em defesa da educação no Rio de Janeiro. Nela, podemos perceber, ao vivo e a cores, o resultado perverso da combinação entre autoritarismo e uma sociedade que oprime as mulheres.




Comecemos nossa curta análise pela autoridade: o Estado detém, em nossa sociedade, a prerrogativa do uso da força (eu até diria monopólio, mas acho que isso não se aplica ao Rio de Janeiro, com seu tráfico e suas milícias).
A Polícia Militar, um de seus braços armados, é responsável por “manter a ordem”, ou seja, deixar as coisas tal como elas estão, sem qualquer perturbação aos governantes e aos de cima.

Essa “missão” já seria suficiente para motivar as frequentes repressões aos protestos, em especial quando eles têm como alvo agências bancárias, representantes simbólicas da concentração do capital. Mas, soma-se a isso o fato de a nossa PM seguir com todos os seus vícios, mandos e desmandos da ditadura civil-militar, prendendo primeiro e perguntando quem é depois. E voilà: temos uma polícia que sai batendo a torto e a direito e esguichando gás de pimenta como se estivesse desinfetando baratas. Uma PM que justifica essas mesmas ações com um sonoro “fiz porque quis”.

Na situação descrita no começo do texto, porém, há um fator a mais: ela foi detida não só porque estava nos arredores do protesto, o que já demonstraria toda essa arbitrariedade da polícia, mas porque reagiu a uma situação de assédio sexual. Não aceitou ser chamada de “gostosa”.

Nossa sociedade é perpassada por uma série de relações hierárquicas desiguais: de classe, de raça/etnia, de sexualidade e, claro, de gênero. Isso quer dizer que as mulheres (e não me refiro aqui ao sexo feminino) estão em uma posição de inferioridade em relação aos homens e, pior que isso, elas são histórica e socialmente consideradas suas propriedades.

Esse sentimento de posse não é apenas exercido de maneira individual, por exemplo em um casamento, mas é também coletivo. A noção de que a mulher é um objeto perpassa o microcosmo para chegar à coletividade: servimos tanto para o trabalho doméstico “gratuito” quanto para sermos “tomadas” ou “assediadas” na rua, quando os homens não “conseguem” segurar seus impulsos sexuais.

A opressão é uma realidade cotidiana. Em pesquisa recente do Think Olga, feita com 7762 mulheres, 99,6% das entrevistadas disseram que já haviam recebido cantadas e 83% delas não gostavam disso, mas apenas 27% conseguiam reagir.

Ou seja, a garota do vídeo está entre uma minoria que consegue, mesmo diante de toda a desigualdade que vivemos, não se calar. E o resultado é uma punição absurda, em que o deveria ser um belo exemplo de insubordinação das mulheres transforma-se em uma lição do que não pode se repetir.

Afinal, não deveria ser o policial militar o encarcerado por assédio sexual e por abuso de autoridade?
(Em tempo: não sei o final da história da garota, conheço apenas o que vi no vídeo.)

Não seja sexista neste Dia das Crianças

Por que aceitamos na vida adulta que homens sejam chefs de cozinha, mas na infância, as panelas e tarefas domésticas cabem sempre às meninas?

 

 11/Oct/2013 às 09:27

PP

dia das crianças sexista
As meninas ficam presas num mundo monocromático de princesas cor-de-rosa e tarefas consideradas menores (Reprodução)

Ana Cláudia Bessa, Trezentos

Há mais de um ano eu fiz uma enquete num antigo blog pessoal:
Pergunta para mãe/pai de meninOs: Você deu ou daria brinquedos como bonecas, vassouras e panelinas para seus meninos?

Apenas 66 pessoas responderam e o resultado foi que 47% daria sem problemas. O restante não daria por diversos motivos, mas não daria.

Por que eu fiz esta pergunta? Porque meu filho me pediu uma boneca. Sua justificativa era que seus bonecos (homens) estavam precisando de companhia de meninas. Diante desse argumento -e eu sempre procuro ceder diante de bons argumentos-, foi impossível não dar à ele sua desejada boneca ( ele ganhou duas : uma Susi –Barbie NOT- e uma Jessie (Toy Story). Afinal, nada mais saudável do que cultivar relacionamentos entre homens e mulheres de maneira igualitária através das brincadeiras. Pelo menos, é isso que prego e acredito.

Mas talvez isso também não seja algo tão surpreendente se avaliarmos que eu dou brinquedos femininos para meus dois meninos. Não me prendo a cor ou ao gênero do brinquedo. Sendo assim, na nossa casa, não é surpresa alguma encontrar meus filhos brincando com panelinhas cor-de-rosa.

Além dessa questão, outra coisa me faz ver tudo isso com muita naturalidade e acredito plenamente que também a meu filhos: o pai deles, é um homem que faz tudo dentro de casa e usa camisa rosa: cuida dos filhos, cozinha, varre… ele não faz a menor distinção sobre o que é considerado tarefa feminina ou masculina.

Se essas brincadeiras são uma forma das crianças entenderem a sociedade e sua realidade, acredito que estamos criando meninos para serem ótimos companheiros e pais. Espero que minhas noras valorizem e nos trate muito bem…rs….

Contudo, é triste ver que quando vamos a uma loja de brinquedos, os fogões,
vassouras e eletrodomésticos de brinquedos são todos rosa ou lilases. Por que aceitamos na vida adulta que homens sejam CHEFS de cozinha, mas na infância, as panelas e tarefas domésticas cabem sempre às meninas? Na década de 70, as bonecas vinham com nomes que valorizavam a mulher submissa (afinal “Amélia é que era mulher de verdade”) e e santificavam a imagem da mãe. Aos meninos cabem os carros (como se mulher não gostasse de dirigir), as armas e junto com elas, a violência masculina banalizada desde a infância. E talvez isso explique muita coisa no comportamento violento de muitos homens jovens e adultos.

Mas aos meninos cabem também toda a gama de cores (exceto o rosa). Enquanto as meninas, ficam presas num mundo monocromático de princesas cor-de-rosa e tarefas consideradas menores. Ou ainda num mundo de consumo excessivo que cabe à Barbie oferecer em profusão com um apelo de uma beleza plástica irreal. Levando nossa sociedade a uma busca insana pela beleza perfeita e inexistente que gera doenças como bulimia, anorexia e depressão.

 

Fico pensando no que será desse mundo de princesas quando elas crescerem e virem que os homens não são príncipes encantados e também aos homens que cresceram acreditam em princesas que não existem. Será também que esta visão equivocada da realidade entre homens e mulheres incentivada na infância não é um fator determinante para essa total falta de sintonia entre os sexos gerando essa enorme dificuldade que nossa sociedade apresenta em se relacionar afetivamente?

No dia das crianças já fiquei longe dos meus filhos, num evento voltado para a discussão do incentivo ao consumo na infância. Quando recebi o convite, não pude deixar de aceitar porque estaria longe dos meus filhos no dia das crianças. Essa data é uma data comercial que ficou famosa nos anos 60 quando divulgada por uma indústria de brinquedos. A fábrica acertou na estratégia e hoje o dia das crianças e uma data exclusivamente comercial e aceita por todos como um dia de ganhar presentes.

Eu fiquei longe dos meus filhos neste dia, ele receberam brinquedos simples e não comemoramos nada. E no que pudermos oferecer a eles, vamos mostrar que o mundo é um lugar de homens e mulheres que partilham todas as suas tarefas de forma igualitária, com respeito e companheirismo, sempre. E gostaria que o dia das crianças fosse um dia de brincar de qualquer coisa. Mas não um dia de mostrar que só é feliz quem ganha presentes mirabolantes (e sexistas).

Parece piegas dizer mas mais importante do que ser feliz por causa de um brinquedo, é ser feliz sem ele. É aprender que a felicidade não depende de uma fator externo. Agora, chegou o Natal. Hora de mostrar que a felicidade deve estar dentro de nós para que possamos enfrentar com serenidade as dificuldades e limitações que a vida nos apresentará.

Isso sem remédios como a ritalina e rivotril.
Dê mais presença, mais afeto. Não deixe o presente material ser o centro das atenções. O que nos faz humanos é o afeto.

 

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