sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O triste fim das viúvas da ocupação

PP

 7 novembro 2013

Quando as vítimas de outrora se transformam em agressores bárbaros – As execuções humilhantes e brutais das mulheres que se relacionaram com soldados alemães nas mãos de seus próprios concidadãos Após a liberação dos territórios ocupados pelos alemães dos países europeus, milhares de mulheres que tinham relacionamentos com soldados alemães foram expostas a execuções humilhantes e brutais nas mãos de seus próprios concidadãos. Era a “Épuration Légale” (“purga legal”), a onda de julgamentos oficiais que se seguiu à liberação da França e da queda do Regime de Vichy. Estes julgamentos foram realizados em grande parte entre 1944 e 1949, com ações legais que perduraram por décadas depois.

Ao contrário dos Julgamentos de Nuremberg, a “Épuration Légale” foi conduzida como um assunto interno francês. Aproximadamente 300.000 casos foram investigados, alcançando os mais altos níveis do governo colaboracionista de Vichy. Mais da metade foram encerrados sem acusação. De 1944 a 1951, os tribunais oficiais na França condenaram 6.763 pessoas à morte por traição e outros crimes. Apenas 791 execuções foram efetivamente realizadas. No entanto, 49.723 pessoas foram condenadas a “degradação nacional”, que consistia na perda total de direitos civis.

A campanha para identificar e massacrar os colaboracionistas do regime alemão puniu cerca de 30.000 mulheres com humilhação pública, por suspeita de que tiveram ligações ou porque eram prostitutas e se relacionaram com os alemães.

Algumas vezes, a coisa toda não passava de briga de vizinhas - uma denunciando a outra como acerto de contas pessoais - ou então uma denúncia vazia de participantes realmente ativos, que dessa forma tentavam salvar sua pele desviando a atenção de sua cooperação com as autoridades da ocupação.

O caso é que muitas mulheres que tiveram algum tipo de relacionamento com os soldados e oficiais alemães não tinham culpa, o que elas iriam fazer? Elas eram reféns de um estado ocupado. Mas a ira e a necessidade de encontrar bruxas para caçar não permitia o razoamento, se houvesse um indício qualquer, a coitada tinha sua cabeça raspada e era exposta em público como desgraça da nação. Muitas vezes só raspar a cabeça não bastava, eram despidas, abusadas, desenhavam a suástica nos seus rostos, ou queimavam a marca com ferro em brasa na testa.

Estas mulheres foram reconhecidas como “nacionalmente indignas” e sofreram, além da degradante humilhação em público, penas de seis meses a um ano de prisão, seguida da perda total de direitos civis por mais um ano, quando ainda eram violentadas e insultadas nas ruas. Muitas não suportaram a vergonha daquela situação e sucumbiram cometendo suicídio.

Nisso tudo há ainda um aspecto que permaneceu vergonhosamente nas sombras por décadas: as crianças nascidas de soldados alemães. De acordo com várias estimativas, nasceram ao menos 200 mil dos chamados “filhos da ocupação”, mas estes sofreram menos que as mães, quando o governo limitou-se a proibir nomes alemães e o estudo da língua alemã. Entretanto não foram poucos os casos de “filhos da ocupação” que sofreram algum tipo de ataque e segregação.

A perseguição não se limitou a França, quase todos os países do bloco europeu de aliados fizeram o mesmo. Na Noruega, cinco mil moças que deram à luz filhos de alemães, foram condenadas a um ano e meio de trabalho forçado. Quase todas as crianças foram declararas pelo governo como deficientes mentais e enviadas para uma casa para retardados, onde foram mantidas até os anos 60.

Infelizmente não é tudo, a União Norueguesa para as Crianças da Guerra depois declarou que a “desova nazista”, como chamavam estas crianças, foi usada indiscriminadamente para testar medicamentos não aprovados. Somente em 2005, o parlamento norueguês publicou um pedido formal de desculpas a essas vítimas inocentes e aprovou a compensação para as experiências no valor de 3 milhões de euros. Este valor pode aumentar se a vítima fornecer provas documentais de que tenha sofrido algum tipo de discriminação racial diante do ódio, medo e desconfiança por causa de sua origem.
 






























quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Depoimento de uma mãe que teve sua filha abusada sexualmente


06/Nov/2013 às 15:52

PP

Carta aberta de uma mãe, filha, amiga, mulher. O massacre impune das guerras cotidianas – denúncia de mais um caso de abuso sexual de menor


Jarid Arraes, Questão de Gênero

A carta abaixo, publicada na íntegra, é uma tentativa de utilizar um espaço político para dar voz às mulheres que enfrentam diariamente um realidade de misoginia e cultura do estupro. Como o caso está correndo judicialmente, a autora da carta permanece anônima.

Leia abaixo.
O massacre impune das guerras cotidianas
Denúncia de mais um caso de abuso sexual de menor em Florianópolis, SC

Prólogo
Aí você se pega tentando fazer as coisas de sempre, como se nada tivesse mudado. E vem aquela sensação de que não importa o quanto você se esforce para manter as coisas do mesmo jeito, nada muda o fato de que as coisas mudaram. Não haverá mais paz. E na verdade nunca houve paz, mas agora todas as partes do seu corpo sabem disso. Estamos em guerra.

Denunciando tudo
Quando ouvimos as notícias, temos o péssimo hábito de achar que tudo começa com o abuso sexual, quando essa ação se concretiza e produz uma vítima e um agressor: quando um homem usa de força, estratégia ou coerção para obter prazer e/ou constranger sua vítima. Mas na verdade tudo já começou muito antes: nos olhares e investidas dos homens nas ruas, nas piadas sexistas cotidianamente proferidas, em todo discurso de submissão, fragilidade e passividade da mulher. Em suma, de toda uma diferença construída através da negação de reconhecimento de igualdade e de um discurso de superioridade masculina, excludente em essência.

Mas a parte institucional começou, sim, com um abuso. Aquele macho asqueroso agressor que simplesmente decidiu se aproveitar de um momento a sós com menina e que impôs sua vontade, a constrangiu e a abusou, por fim, certo de que o silêncio seria seu cúmplice.

E o abuso continuou ao fazer a denúncia. Saindo da 6ª DP de Florianópolis, especializada em crimes contra mulheres e adolescentes, tive certeza que esse lugar era uma dessas visões do inferno. Me deparei com uma delegacia da mulher onde os delegados são homens e os policias são homens e as agressões continuam a ser realizadas no próprio espaço que deveria saná-las. Cenas como dois policiais armados ofendendo a mãe de um menor agressor e a ameaçando de prisão caso ela não se calasse na procura de defesa de seu filho, menor, são tidas como cenas cotidianas. No meio da delegacia da mulher e do adolescente, nem mulher nem adolescente parecem tem direitos.

Tivemos que apresentar nossa queixa já no balcão de recepção, sem nenhum acompanhamento psicológico, nenhum copo de água, nenhum “bom dia”. Depois de muita espera, a hora de finalmente fazer a denúncia foi outro momento de constrangimento e abuso. Além do fato de que as denúncias de abuso são feitas a portas abertas em uma sala logo atrás do balcão da recepção, praticamente em público, nota-se um total despreparo dos profissionais. Às argumentações de fechar a porta por ser um fato sigiloso e delicado, a escrivã contrapõe que “ficará muito abafado” e que já tinha feito Boletim de Ocorrência (B.O) de abuso com portas abertas “o dia inteiro”. Em nenhum momento aconteceu um sinal de empatia ao menos pelo fato de a vítima ser uma pré-adolescente. Sem mais delongas, um inquérito: “quando foi a agressão? Qual foi? Onde? Que horas? Tem testemunhas? Tem provas?”
Então eu tenho que explicar que no nosso caso não há provas e não há testemunhas. É de conhecimento geral, mas parece que não para os profissionais da área, que estupro é esse crime covarde que acontece nas surdinas, em quartos, salas ou ruas desertas onde a vítima está indefesa exatamente porque está à mercê do agressor. Porque ela, profissional da área, teria que saber que a maior parte dos abusos acontece a portas fechadas e não, não tem testemunhas. Não tem provas, a não ser a voz das meninas e mulheres que corajosamente se levantam contra agressores que não raro as ameaçam, e levantam suas vozes meio a paredes sujas e portas abertas em delegacias que ninguém se importa e que nas quais nada será feito com essas denúncias. “Não cabe uma medida protetiva no seu caso”, “existem casos piores”, “sorte sua que não foi estupro de verdade”.

Existe estupro de mentira?
O que percebi, o que percebo, é uma propagação dessa ideia infame de que “poderia ter sido pior”. Se não tocou: “poderia ter tocado”. Se tocou: “ poderia ter sido por debaixo da roupa”. Se a violência foi então com as mãos embaixo da roupa: “mas não penetrou”. E se penetrou, mas não bateu, “poderia ter batido”. E se bateu ou espancou, “pelo menos não matou”. E, se matou, talvez ainda escutaríamos que “pelo menos não torturou antes de matar”? Essas minimizações dos efeitos dos abusos visam aparentemente minimizar a dor da vítima, mas, ao fazer isso, agem como atenuantes à agressão e ao agressor. Ou seja, junto a essa ideia do “poderia ter sido pior” vêm a noção implícita de que o agressor poderia ser considerado quase como uma consciência benevolente por não ter usado de todo seu potencial de força contra a vítima.

Claro que todos vão concordar que o fato de alguém vir a morrer pode ser considerado pior do que uma ameaça ou um atentado ao pudor. Mas a questão é que crimes assim não podem ser comparáveis entre si, cada crime é um crime isolado e deve ser encarado como tal. Toda tentativa de minimizar a dor de outra pessoa com esse discurso reverbera em uma atenuação do crime e, consequentemente, do que se espera fazer com o agressor.

O que ficou claro nessa ida à 6ª DP foi que toda a mudança de lei que abrange estupro não tem respaldo na prática. Que a delegacia da mulher só tem “mulher” no nome e nas funções subalternas e que é a grande lógica patriarcal que vigora nesses espaços, réplicas que são do nosso mundo. Que uma delegacia do adolescente não tem preparo algum para lidar com adolescentes sejam eles vítimas ou infratores. Que a delegacia é outro lugar no qual se opera a divisão de classes: porque, além de toda a estrutura de atendimento que lembra os serviços de saúde pública daqui, logo fiquei sabendo que casos sem advogados são postergados por meses. E que da mesma forma que o sistema capitalista se mantém sugando a energia do povo para que esse não reaja, as burocracias institucionais das delegacias sugam a energia das mulheres inviabilizando reação ao patriarcado.

O abuso é um meio do patriarcado se manter, um lembrete de que somos mulheres e de que há uma lógica de fracos e fortes na qual nós seríamos o elo fraco. Existe um modo macho de viver sem medo e atuar no mundo sabendo com seu corpo o silêncio das meninas e mulheres. E por isso essa carta: romper o silêncio é nossa maior arma, e arma não contra casos isolados, mas contra todo o patriarcado. Abuso sexual é um problema político e a resposta tem que ser igualmente política. Precisamos combater o agressor não como um caso individual e nem a representação de algo, mas o que ele é, porque ele é em si todo o patriarcado. E o patriarcado tem que ser combatido.

Epílogo
Tem coisas que acontecem que mudam nossa realidade totalmente. É claro que eu não era nenhuma menininha ingênua, que eu sabia dessa guerra e que eu a sabia no meu corpo, e que eu sempre tive essa empatia pelas meninas-mulheres abusadas de forma intensa. Então porque o susto? Era comigo, já era meu corpo. E mesmo agora podem dizer: não é o seu corpo, mas de sua filha. Mesmo assim eu também fui abusada. E a sensação é essa de que o mundo todo mudou em mim, que acabou, que nunca mais se poderá ter paz.

Mas o que é claro então é que as coisas não mudaram. Elas sempre foram assim. Nunca houve paz. O machismo é uma constante da nossa história na qual as conquistas das minorias são sempre variáveis passíveis de se adequar à constante principal do patriarcado assassino e opressor.

Seguindo essa lógica, a agressão é uma variável do patriarcado, mas a opressão é uma constante que delimita e marca nossa forma de ver e estar no mundo. As mulheres e crianças vivenciam um medo cotidiano e permanente, resultado dessas práticas patriarcais que delegam ao macho o direito de ser e ocupar um mundo que é deles e que impõe às mulheres que saibam se preservar, se defender e se calar enquanto tentam ocupar o mundo pelas beiradas, como se não fosse também nosso.

Nossa luta é pelo direito de ser, estar e ocupar esse mundo que é nosso.

Uma amiga me perguntou se eu acreditava em reabilitação. Desconfio que a parte mais difícil é que eu acho que o agressor é, sim, um psicopata, mas um psicopata que não consegue reconhecer a mulher ou a criança como sujeito. Note-se que eu não disse sujeito de liberdade ou sujeito de direitos, mas simplesmente como sujeito, como pessoa. É assim que os desejos do agressor se sobrepõem aos dos demais, mas também é assim que seus direitos são estendidos sobre os demais. Seus desejos são praticados sobre e na reificação de crianças e mulheres, ao passo que seus direitos são considerados como inalienáveis. Não quero aqui fazer apologia a fascismos. Acredito que educação é a chave, a curto, médio e longo prazo. Mas o que fazer com esses casos? A impunidade produz vítimas a cada minuto, e não temos tempo, nunca tivemos tempo. E se a educação for a resposta, como então educar?

E não: não acontece apenas uma vez. Uma vez proferida uma violência impune, essa violência continuará e continuará. E essa violência continuará simplesmente porque o sistema legal de amparo a mulher é patriarcal e benevolente aos agressores. “Muitos casos, não damos conta”, nos disseram na delegacia. Não se tenta dar conta. O sistema não é falho, é conivente, cúmplice. O sistema responsável pela punição é tão machista e agressor quanto o próprio agressor.

Se já não posso pedir por paz, reclamo ao menos por justiça. Nas recentes efervescências políticas desse ano, uma frase nos muros e gritos me chamou a atenção: “se não há igualdade para os pobres, que não haja paz para os ricos”. Parafraseio aqui: “se não há justiça entre os gêneros, que não haja paz para os agressores”. Estamos em guerra.

Carta aberta de uma mãe, filha, amiga, mulher, feminista, anônima.
Florianópolis, 2013

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Estupro no Brasil cresce 18% e supera número de homicídios dolosos

unisinos

Dados do 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública registraram 50,6 mil casos, o correspondente a 26,1 estupros por grupo de 100 mil habitantes. Em 2011, a taxa era de 22,1.

A reportagem é de Fernanda Cruz e publicada pela Agência Brasil, 04-11-2013.

O número de estupros no Brasil subiu 18,17% em 2012, na comparação com o ano anterior, aponta o 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Em todo o país, foram registrados 50,6 mil casos, o correspondente a 26,1 estupros por grupo de 100 mil habitantes. Em 2011, a taxa era de 22,1.

Os estados com as maiores taxas de estupro para cada 100 mil habitantes foram Roraima, Rondônia e Santa Catarina. As menores taxas, por sua vez, ocorreram na Paraíba, no Rio Grande do Norte e em Minas Gerais. O relatório completo será divulgado amanhã (5), em São Paulo.

Segundo dados do documento, o total de estupros (50,6 mil casos) superou o de homicídios dolosos (com intenção de matar) no país. Foram registradas 47,1 mil mortes por homicídio doloso em 2012, subindo de 22,5 mortes por grupo de 100 mil habitantes em 2011, para 24,3 no ano passado, uma alta de 7,8%.

Alagoas continua liderando o ranking de homicídios dolosos com 58,2 mortes por grupo de 100 mil habitantes, mas houve redução da taxa. Em relação a 2011, o índice recuou 21,9%, ou seja, passou de 2,3 mil mortes em 2011, para 1,8 mil mortes em 2012. No grupo de estados com as menores taxas de morte por grupo de 100 mil habitantes estão Amapá (9,9), Santa Catarina (11,3), São Paulo (11,5), Roraima (13,2), Mato Grosso do Sul (14,9), Piauí (15,2) e Rio Grande do Sul (18,4).

A população carcerária cresceu 9,39%. Em 2011, havia 471,25 mil presos no país, número que saltou para 515,5 mil em 2012. Já as vagas nos presídios cresceram menos – eram 295,43 mil em 2011 e passaram a 303,7 mil no ano passado, aumento de 2,82%.

Em média, o Brasil tem 1,7 detento por vaga. Boa parte desses presos (38%) são provisórios, com casos ainda não julgados. Em sete estados, mais de 50% da população carcerária ainda aguardam julgamento: Mato Grosso (53,6%), Maranhão (55,1%), Minas Gerais (58,1%), Sergipe (62,5%), Pernambuco (62,6%), Amazonas (62,7%) e Piauí (65,7%).

O gasto total com segurança pública totalizou R$ 61,1 bilhões no ano passado, um incremento de 15,83% em relação ao ano anterior. Investimentos em inteligência e informação alcançaram R$ 880 milhões, ante R$ 17,5 bilhões em policiamento e R$ 2,6 bilhões em defesa civil. São Paulo foi o estado que destinou mais recursos ao setor: R$ 14,37 bilhões, dos quais R$ 5,73 bilhões foram usados apenas com o pagamento de aposentadorias.

A Mulher na Idade Média


Patrícia Barboza da Silva
Licenciada pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Colunista Brasil Escola

A participação e o lugar da mulher na História foram negligenciados pelos historiadores por muito tempo. Elas ficaram à sombra de um mundo dominado pelo gênero masculino.

Ao pensarmos o mundo medieval e o papel desta mulher, esse quadro de exclusão se agrava ainda mais, pois além do silêncio que encontramos nas fontes, os textos que muito raramente tratam o mundo feminino estão impregnados pela aversão dos religiosos da época por elas.

Na Idade Média, a maioria das idéias e de conceitos eram elaborados pelos Escolásticos. Tudo o que sabemos sobre as mulheres deste período saiu das mãos de homens da Igreja, pessoas que deveriam viver completamente longe delas. Muitos clérigos consideravam-nas misteriosas, não compreendiam, por exemplo, como elas geravam a vida e curavam doenças utilizando ervas.

A mulher para os clérigos era considerada um ser muito próximo da carne e dos sentidos e, por isso, uma pecadora em potencial.

Afinal, todas elas descendiam de Eva, a culpada pela queda do gênero humano.

(1)Bem ao gosto de Paulo e suas epístoloas - I Timóteo 2
11 - A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição.
12 - Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio.
13 - Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva.
14 - E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.
15 - Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, na caridade e na santificação.

No inicio da Idade Média, a principal preocupação com as mulheres era mantê-las virgens e afastar os clérigos desses seres demoníacos que personificaram a tentação. Dessa forma, a maior parte das autoridades eclesiásticas desse período via a mulher como portadora e disseminadora do mal.

Isso as tornava má por natureza e atraída pelo vício.

A partir do século XI com a instituição do casamento pela Igreja, a maternidade e o papel da boa esposa passaram a serem exaltados.

Criou-se uma forma de salvação feminina a partir basicamente de três modelos femininos: Eva (a pecadora), Maria (o modelo de perfeição e santidade) e Maria Madalena (a pecadora arrependida).

O matrimonio vinha para saciar e controlar as pulsões femininas. No casamento a mulher estaria restrita a um só parceiro, que tinha a função de dominá-la, de educá-la e de fazer com que tivesse uma vida pura e casta.

Eram consideradas como a causa e objeto do pecado, era portadora de entrada para o demônio. Só não eram consideradas objetos do pecado quando eram virgens, mães ou esposas, ou quando viviam no convento. Quando eram esposas não podiam vender nem hipotecar seus bens sem a autoridade e consentimento do seu marido.

As camponesas trabalhavam muito: cuidavam das crianças, fiavam a lã, teciam e ajudavam a cultivar as terras. As mulheres com um nível social mais alto tinham uma rotina igualmente atribulada, pois administravam a gleba familiar quando seus maridos estavam fora, em luta contra os vizinhos ou em cruzadas à Terra Santa. Atendimento aos doentes, a educação das crianças também eram tarefas femininas.

Essa falta de conhecimento da natureza feminina causava medo aos homens. Os religiosos se apoiavam no Pecado Original de Eva para ligá-la à corporeidade e inferiorizá-la. Isso porque, conforme o texto bíblico, Eva foi criada da costela de Adão, sendo, por isso, dominada pelos sentidos e os desejos da carne. Devido a essa visão, acreditava-se que ela foi criada coma única função de procriar.

Na idéia do Pecado Original encontramos uma outra característica criticada nas mulheres pelos clérigos, a tagarelice. Afinal foi por um pedido de Eva que Adão aceitou o fruto proibido, e pó isso, foi considerada uma enganadora.

Maria foi a redentora de Eva, que veio ao mundo com a missão de liberar Eva da maldição da Queda. Desenvolveu-se então a idéia de Maria era a mãe da humanidade, de todos os homens e mulheres que viviam na graça de Deus, enquanto Eva era a mãe de todos que morrem pela natureza. O culto a Maria se baseava em quatro pilares: a maternidade divina, a virgindade, a imaculada concepção e a assunção.

Por isso, as mulheres eram encorajadas a se manterem castas até o casamento, se a sua opção de vida fosse o matrimônio.

Porém, a melhor forma de seguir o exemplo de Maria era permanecer virgem e tornar-se esposa de Cristo, com base na idéia recorrente de que Maria era “irmã, esposa e serva do Senhor”.

Eva simbolizava as mulheres reais, e Maria um ideal de santidade que deveria ser seguido por todas as mulheres para alcançar a graça divina, caminho para a salvação.

Mas como Maria era um ideal a ser seguido, inatingível pelas mulheres comuns, surge à figura de Maria Madalena, a pecadora arrependida, demonstrando que a salvação é possível para todos que abandonam uma vida cheia de pecados.

Com essa imagem de mulher pecadora que se arrepende e segue o mestre até o calvário, Maria Madalena veio demonstrar que todos os pecadores são capazes de chegar a Deus.

A partir daí foi concebido as mulheres, assim como a pecadora o direito ao arrependimento, demonstrado pela prostração, humilhação e lagrimas, em oposição à tagarelice de Eva, que levou toda a humanidade ao pecado.

Por isso, a pregação feminina deveria ser sem palavras, feita apenas pela mortificação corporal.

Paulo em I Coríntios
Os homens são "a imagem e glória de Deus", mas não as mulheres; elas são "a glória do varão." Paulo conclui que as mulheres são feitas dos e para os homens. 11:7-9

Paulo ordena que as mulheres devem estar caladas na igreja e serem obedientes aos homens. Ele diz mais adiante que "se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é indecente que as mulheres falem na igreja." 14:34-35

Todo este anti-feminismo tinha como objetivos básicos: afastar os clérigos das mulheres, institucionalizar o casamento e a moral cristã, moldada através da criação de um segundo modelo feminino a Virgem Maria.

Os três modelos difundidos por toda a Idade Média (Eva, Maria e Madalena) deixam claro o papel civilizador e moralizador desempenhado pela Igreja Católica ao longo de aproximadamente mil anos de formação da sociedade ocidental.

A própria passagem da visão de corporeidade e danação feminina, pautada no modelo de Eva, vista como aliada do demônio. Esse estado de maldição foi amenizado com o culto à Virgem Maria, que trouxe consigo a reconciliação entre a humanidade e Deus, contudo, essa reconciliação ainda restritiva, pois somente aqueles que vivessem na graça divina alcançariam à salvação.

Com Maria Madalena se estende a possibilidade de salvação a todos que tinham caído no erro, mas foram capazes de se arrepender.

Eva concentra em si todos os vícios que trazem símbolos tidos como femininos, como a luxuria, a gula, a sensualidade e a sexualidade. Todos esses atributos apareciam nela como exemplo. E como forma de salvação para a mulher, eles ofereciam a figura de Maria Madalena, a prostituta arrependida mais conhecida e que se submeteu aos homens e a Igreja.

Fica claro assim que não é possível analisar o que as mulheres pensam de si próprias: o que nos foi transmitido pelas fontes são modelos ideais e regras de comportamento que nem sempre são positivos.

Essa concepção de mulher, que foi construída através dos séculos, é anterior mesmo ao cristianismo. Foi assegurada por ele e se deu porque permitiu a manutenção dos homens no poder, fornecia uma segurança baseada na distancia ao clero celibatário, legitimou a submissão da ordem estabelecida pelos homens. Esta construção começou apenas a ruir, mas os alicerces ainda estão bem fincados na nossa sociedade.



REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
- DUBY, G; PERROT, M (dir). História das mulheres: a Idade Média. Porto; Afrontamento, 1990.
- RAMON, Llull. Missoginia e santidade na Baixa Idade Média: os três modelos femininos no livro das maravilhas. Instituto Brasileiro de Filosofia e ciência Raimundo Líilio. 2002.
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