sábado, 7 de novembro de 2015

Feminismo de Guerra

Publicado há 7 horas - em 7 de novembro de 2015 » Atualizado às 10:13 
Categoria » Questões de Gênero
adriana_carranca





Ao cobrir o corpo, mulheres se sentem protegidas do assédio
Por Adriana Carranca, do O Globo 
De passagem pelos Emirados Árabes Unidos, conheci uma jovem da qual só pude ver os olhos, tendo o restante do corpo coberto pelo niqab. Eu a convidei para um café. Gostaria de ouvir sua versão sobre opressão feminina. Ela concordou, mas antes tinha uma pergunta a me fazer: “É verdade que as mulheres brasileiras e americanas fazem muitas plásticas?”. Sim, era verdade. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de cirurgias plásticas, atrás apenas dos EUA. “Que horror! Isso é que é opressão feminina, você não acha?”. Eu não entendi. “Ter de mutilar seu corpo para ser aceita por um homem ou se exibir na praia? Eu jamais me submeteria a isso. Aqui não é preciso.”
Lembrei-me da passagem ao refletir sobre o feminismo, motivada pela campanha #AgoraÉQueSãoElas, em que mulheres tomaram o lugar de jornalistas e escritores homens na mídia durante uma semana. Não é o caso desta coluna, mas se o objetivo mais amplo era nos fazer refletir sobre os espaços ainda hoje não ocupados pelas mulheres, aqui está minha modesta contribuição.
A supersexualização do corpo feminino e o papel da mulher como objeto de prazer, contra o que o movimento feminista emergiu, eram também os motivos que aquela jovem me dera para se cobrir, desafiando o lugar-comum ocidental — o que enxergamos como instrumento de opressão a ela parecia libertador. Mas a origem de um e de outro pensamento é a mesma.
Onde se cobrir era uma opção, perguntei repetidas vezes a mulheres por que o faziam: “Porque me sinto protegida”, é a resposta mais comum. Mas do que tentam se proteger? Do assédio dos homens. O sujeito opressor, portanto, não é o véu, mas o homem que se acha no direito de assediá-las (lá ou aqui) se exibirem o corpo. Aqui ou lá, no Islã ou no cristianismo, as mulheres são responsabilizadas por instigar o pecado do homem, o que confere a eles uma espécie de licença divina para o crime sexual, caso se sintam atraídos por elas. É disso que as mulheres se cobrem — com hijab ou roupa discreta em São Paulo ou Rio.
Foi esse pensamento que deu origem a toda a cultura do estupro, expressão do movimento feminista dos anos 1970 para tratar das crenças que legitimam a violência contra a mulher. É um pensamento global e se perpetua porque as decisões estão sendo tomadas por homens — no Congresso brasileiro, na maioria dos países ou nos organismos internacionais. Vinte anos após a Conferência de Pequim, onde os países acordaram ter ao menos 30% das posições de governo ocupadas por mulheres, apenas 27% deles o fizeram.
Em pleno século XXI, o estupro é uma arma de guerra usada para humilhar os inimigos — porque suas companheiras, mães, irmãs são vistas como objetos deles. Para atingir os opositores, grupos armados as violentam. Mas, 15 anos após a Resolução 193 da ONU, que determina dar às mulheres posições de decisão em negociações de paz, sua participação ainda é “simbólica”, diz a organização.
Na República Democrática do Congo, que lidera o ranking macabro dos estupros, uma mulher é vítima a cada minuto e meio. Mas quando organizações femininas do Norte Kivu, palco da guerra, pediram para participar das negociações de paz, lhes foi dito que havia só dois lados do conflito: governo e rebeldes.
“É uma situação chocante. As guerras estão sendo feitas por todos esses homens, quando os organismos internacionais se reúnem, em Genebra ou na ONU só o que vemos nas mesas de negociações são homens em uniformes e blackties”, disse à coluna a jornalista francesa Annick Cojean, do “Le Monde”, que está no Brasil a convite da Aliança Francesa para um debate sobre a violência contra as mulheres em zonas de conflito. Ela é autora de “O Harém de Kadafi” (editora Versus), em que revela o sequestro sistemático de jovens líbias para servirem de escravas sexuais ao ditador. Mais recentemente, descortinou o estupro de mulheres nas prisões do regime de Bashar al-Assad.
“A falta de representatividade feminina nos governos e organismos internacionais é chocante. Está provado que quando as mulheres são envolvidas nas negociações, os resultados são melhores, porque elas trazem à mesa assuntos esquecidos pelos homens, e as famílias são envolvidas no processo. Mas os homens simplesmente não querem dar espaço, não importa quão inteligente e preparada você seja”, acredita. Por isso, a coluna de hoje é dedicado a elas. Que ocupem os seus, os nossos espaços.


Leia a matéria completa em: Feminismo de guerra - Geledés http://www.geledes.org.br/feminismo-de-guerra/#ixzz3qpsmSvVP 
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